Encontro de Tocadores
Rabeca
Os instrumentos e os seus tocadores
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. . . . . . . .A rabeca chuleira,
rabela, ou ramaldeira é um violino popular de braço curto e escala muito aguda, que
aparece numa área centrada em Amarante, estando ligada a uma forma musical peculiar a
essa área a chula.
A rabeca, ou seja, entre nós, o violino comum, aparece com bastante frequência
nos agrupamentos musicais populares. Ela não pode, contudo, considerar-se, de um modo
geral, uma espécie regional, e nenhumas características locais mostram, a não ser, por
vezes, o rusticismo do seu fabrico. A sua inclusão nesses grupos, se nem sempre é
verdadeiramente recente, tem, porém, um aspecto pouco tradicional, e não parece
processar-se de modo essencial.
Ela mostra-se com frequência nas rusgas ao lado dos outros cordofones de mais
velha tradição, nas tunas, em grupos mais ou menos improvisados, etc.; e nesses casos,
participa do carácter inteiramente profano desses conjuntos. A rabeca é, além do mais,
dos instrumentos típicos dos cegos e pedintes urbanos. Mais importante entre nós é,
porém, a rabeca chuleira, de que passamos a ocupar-nos.
A rabeca chuleira, rabela, ou ramaldeira é um violino popular de braço
curto e escala muito aguda, que aparece numa área centrada em Amarante, que vai até ao
Douro, Guimarães, Lousada e Santo Tirso, ligada a uma forma musical (e coreográfica)
peculiar a essa área a chula. Na maior parte dessa área, a rabeca agora existente
tem a caixa semelhante à do violino, com medidas gerais de cerca de 50 cm de comprimento
por 20 de largura, e apenas um braço extremamente curto (fig. 190), com 17 a 21 cm da
pestana ao cavalete, 13 a 17 de escala, e 3 (e hoje menos) a 5 da pestana à ilharga.
Em Celorico de Basto, porém, vimos rabecas com a caixa extremamente pequena,
com menos de 30 cm de comprimento por 12 a 15 de largura, com apenas 7 na cinta, e cerca
de 18 da pestana ao cavalete. As cordas, hoje, são por vezes, em parte metálicas, mas
antes eram de tripa, e as primas, mais finas, de seda. A sua afinação é a do violino,
uma oitava mais alta,mi4 -lá3 -ré3 -sol2 (do agudo para o grave).
Estes instrumentos são feitos pelos violeiros, citadinos ou locais, por
encomenda, e até, não raro, pelos próprios tocadores, quando são habilidosos (de
resto, os violeiros locais muitas vezes são também tocadores dos instrumentos que eles
próprios constróem); eles não obedecem a um padrão fixo regular, e, conforme os
desejos dos tocadores, mostram medidas um pouco variáveis. Em épocas mais recuadas,
parece que as rabecas chuleiras tinham um braço sensivelmente mais comprido, e que,
consequentemente, a sua escala pouco mais aguda era do que a do violino vulgar.
A rabeca é porém bastante corrente nos conjuntos musicais populares das ilhas
da Madeira, Porto Santo e Açores, e também Cabo Verde. César das Neves, a propósito da
sua suposta «Chula mirandesa», fala também num conjunto composto de clarinete,
requinta, flauta tíbia, rabeca, tambor e castanholas - além da gaita-de-foles.
Sem dúvida, o violino, por toda a parte, veio ocupar o lugar das velhas violas
de arco ou das rabecas, e conhecemos inúmeras representações destes instrumentos que
atestam o seu uso entre nós desde tempos remotos; mas, na realidade, esta é, em
Portugal, a designação popular do violino, e não cremos que a razão linguística tenha
aqui grande peso. A rabeca rabela ou chuleira parece-nos ser um instrumento recente, que
representa a modificação do violino vulgar, popularizado certamente apenas no decurso
dos séculos XVII ou XVIII.
É conhecido o gosto do nosso povo, sobretudo da região de Entre Douro e Minho,
pelas vozes sobreagudas, quase gritantes. Seja ou não por essa razão, seja quiçá por
influência longínqua da escala porventura mais aguda das primitivas rabecas que ele veio
substituir, o certo é que, para a chula, o violino vulgar tinha de se tocar apenas no
fundo do braço. E é então natural que alguns tocadores tivessem a ideia de arranjar um
instrumento que, conservando a estrutura fundamental, a técnica e a afinação do
violino, fosse já, por si só, por meio de um braço reduzido, ainda mais alto que o
violino.
De facto, a rabeca, em certos pontos da área da chula, como por exemplo em
várias partes do concelho de Celorico de Basto (S. Bartolomeu), começou a construir-se
apenas já neste século, e parece que, antes, usava-se aí o violino vulgar. Por outro
lado, vemos hoje possuidores de rabecas antigas que mandam encurtar ainda mais o braço,
no desejo de elevarem o tom da sua chulada e de suplantar os demais tocadores.
(Extraído e adaptado do livro
"Instrumentos Musicais Populares Portugueses", de Ernesto de Oliveira e Benjamim
Pereira, Gulbenkian, 2000).