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Os
Bailes
Tradicionais |
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O Baile como
Rito de Passagem |
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A
Evolução dos Bailes Populares |
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Os Bailes
Populares da Cidade de Lisboa |
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As Danças |
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Resumo
dos
Fonogramas |
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Fonte:
Tradições Musicais da Estremadura
Os conteúdos aqui
apresentados foram retirados do Livro "Tradições
Musicais da Estremadura" de José Alberto Sardinha, uma cortesia do autor e da
Editora Tradisom. |
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Tradições
Musicais da Estremadura: O Amor e o divertimento
A Evolução dos Bailes Populares
José Alberto Sardinha (In "Tradições Musicais da Estremadura")Atentemos brevemente numa descrição que nos é fornecida por António
Maria da Cunha de Sotto Mayor, que foi administrador do concelho de Sintra, descrição
que se reporta a meados do século XIX. Após denominar os bailes populares da região de
Sintra tal qual nós ainda os ali ouvimos chamar quase século e meio depois
(«brincadeira» se tiverem lugar à tarde, «serão» à noite), Sotto Mayor resume-os
assim: «As brincadeiras consistem no seguinte: arma-se uma casa com bancos em roda, ou
tábuas colocadas de cadeira a cadeira com o mesmo fim, e uma ou duas candeias penduradas
no tecto. A música é de guitarra ou pífano (pífaro), tocada por um curioso»
Este depoimento assume particular importância, dado o conhecimento que o autor revela dos
costumes campesinos (expurgados certos comentários algo descabidos) e o pormenor a que
desce, aliás quase sempre com objectividade, e dada sobretudo a época a que remonta a
edição 1858. E, no que concerne aos instrumentos, ele refere concretamente a
guitarra e o pífaro: estamos numa altura meados do século XIX em que não
fizera ainda aparecimento o harmónio.
Depois, nos princípios do século XX, os autores que descrevem os bailes saloios e
estremenhos, nomeadamente Vieira Natividade, op. cit., 1917, e João Paulo Freire, op.
cit., assinalam já o lugar proeminente do harmónio, o que corresponde aos informes que
colhemos junto das pessoas mais idosas.
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António Caetano, do
Salgueiral dos Maios, Caldas da Rainha, tocando harmónica de boca |
Temos assim que, nos princípios deste século, os principais instrumentos que
associados andavam aos «balhos» rústicos eram: o harmónio, em plena ascensão, a
«gaitinha», a guitarra e a flauta, e ainda, em certas ocasiões, a gaita-de-foles. Os
respectivos tocadores eram naturalmente muito acarinhados não só pelos donos das
tabernas, da forma e pelas razões que referimos. Também a juventude lhes dedicava
protecção e carinho especial, dado serem essenciais para os seus bailaricos.
Com efeito, a mocidade tratava carinhosamente o tocador da aldeia, o qual estava em geral
sempre à sua disposição para animar os bailes. Fosse qual fosse a ocasião, os rapazes
iam buscar o tocador e depois, nos intervalos da bailação, as raparigas faziam uma
colecta (uma «pedida») para o recompensar do esforço e da disponibilidade
(«prós tremoços do tocador!»).
Nos dias de festa, porém, e bem assim nalguns dias «alumiados» (Natal, Páscoa, Corpo
de Deus, etc.), a mocidade procurava um tocador de fora, certamente para assinalar a
especialidade da ocasião. Começou-se assim a «falar» (contratar) antecipadamente a
este ou àquele tocador, o que passou a exigir uma maior preparação do baile, para se
angariar fundos: anúncios pelas aldeias vizinhas e entradas pagas.
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Francisco Vieira,
Pinhoa, Lourinhã, 1984. |
Começaram então certos tocadores, de guitarra, de harmónio e sobretudo de
concertina, a ganhar fama pelos povos ao derredor e a ser muito requesitados. Tanto estes
como os restantes tocadores, menos afamados, mantinham, ainda por esta altura, um
reportório idêntico, que representava a mais genuína tradição músico-coreográfica
da província: fandangos, verde-gaios, chotiças, valsas, sobretudo de dois passos,
bailaricos, contradanças, corridinhos.
Nas últimas décadas do século XIX, fizeram aparecimento nos meios rurais as tunas,
conjuntos instrumentais constituídos essencialmente por violões, bandolins e violinos,
todos em grande número. De início, este movimento surgira nas cidades e vilas de
província, nas últimas décadas de Oitocentos, para animação das actividades e dos
bailes das sociedades de recreio locais. Note-se que estas tunas urbanas visavam sobretudo
exibições públicas do tipo concerto, só raramente tocando música para baile. (...)
Depois, o movimento das tunas estendeu-se às próprias aldeias e, onde houvesse
«orelhudos» (músicos que tocam de ouvido, i. e., sem saberem música) em número
suficiente, formaram-se agrupamentos que, porém, tiveram existência efémera. Ernesto
Vieira assinala em 1908 a enorme popularidade das «tunas ou sol-e-dós, conjuntos
formados principalmente por instrumentos de cordas dedilhadas».
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Alfredo Pereira, do
Casal da Grila, Alenquer, 1984 |
No Reguengo Grande, Lourinhã, por exemplo, a tuna era composta por «violas»
(entenda-se: o violão popular, de seis cordas, também chamado viola francesa ou
espanhola), bandolins, rabecas e «violão» (contrabaixo). Na sua própria aldeia tocavam
nos bailes sem ganhar dinheiro, mas ganhavam quando iam tocar fora. A sua vida foi breve,
porquanto, sendo constituída por rapazes novos, eles não conseguiram aguentar muito
tempo serem animadores dos bailes sem irem dançar também. A tuna do Vilar, Cadaval, que
também existiu pelos anos 10/20, apresentava o seguinte instrumental: violões (viola
francesa), guitarra portuguesa, bandolim, rabeca, violoncelo, flauta e clarinete.
Já no Maxial, Torres Vedras, os instrumentos da pequena tuna que ali existiu nos anos 30,
eram os seguintes: um violão, uma rabeca, um bandolim, uma bandola, uma flauta e um
«bumbo» com caixa e prato. A Tuna do Grémio Artístico Comercial, de Torres Vedras
(...) era muito numerosa e incluía violões (violas francesas), viola-baixo, bandolins,
bandoloncelos, violinos, flautas, pandeiretas, ferrinhos e castanholas. (...)
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Tuna do Grémio
Artístico Comercial de Torres Vedras, que actuou aquando da visita de D. Manuel II a esta
vila no Centenário da Batalha do Vimeiro, em 1908. |
A par destas tunas, formavam-se outros tipos de agrupamentos musicais, de que se
destacam os «cavalinhos»: alguns dos componentes das bandas filarmónicas juntavam-se em
pequenos grupos de sete ou oito instrumentos a fim de tocarem música de baile. Os
instrumentos eram, geralmente: clarinetes, saxofone, trompete, tuba (para fazer o baixo) e
caixa de rufo. O reportório era essencialmente constituído por marchas, valsas, polcas,
transcritas em partituras para os vários instrumentos, que mandavam vir da Casa Custódio
Cardoso Pereira, Rua do Carmo, Lisboa.
Note-se que não se limitavam a reproduzir o que tocavam nas bandas, porque o reportório
destas só parcialmente incluía valsas e marchas, destinando-se sobretudo a ser ouvido
nos arraiais e nas cerimónias civis e religiosas em que participavam. Assim, os
«cavalinhos» apenas aproveitavam parte do que tocavam nas bandas. Aproveitavam, além
disso, o facto de saberem ler música, para interpretarem as partituras que eram impressas
pelas casas de música com os ritmos de dança da moda.
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O «jaze» de Torres
Vedras «Os Relâmpagos». Anos 30. |
A par das tunas rústicas e dos agrupamentos do tipo «cavalinho», pelos anos
20/30, numa altura em que as tunas apresentavam já definitivos sinais de declínio,
deu-se o aparecimento de um outro tipo de conjunto instrumental, aliás próximo do
«cavalinho», mas de inspiração nitidamente norte-americana. Ficaram por isso
conhecidos pelos «jazes» e eram geralmente constituídos pelos seguintes instrumentos:
saxofone, trompete, trombone de varas, banjo, banjolim e bateria. Diferiam, pois,
instrumentalmente dos «cavalinhos» pela exclusão dos clarinetes e da tuba, pela
consagração definitiva da bateria e pela predominância dos saxofones, dos trombones e
da família dos banjos. Quanto ao reportório, além das valsas e marchas correntias,
tocavam os ritmos, que na altura conheceram consagração mundial, não apenas norte mas
também sul-americanos: fox-trots, tangos, maxixes, etc. (...)
A existência dos «jazes», tal como a das tunas, foi efémera, mas, ao contrário do
destas, o reportório daqueles não deixou praticamente vestígios na tradição musical
do campo estremenho. (...)
A fama de alguns acordeonistas crescera entretanto e tornara-os muito procurados. (...)
Enquanto os modestos tocadores, que, por motivos vários, não atingiram a fama destes
acordeonistas, continuavam a tocar nas suas aldeias, vilas e cidades de origem as velhas
danças tradicionais, esses acordeonistas profissionais, que corriam muitas aldeias e
vilas, tiveram, por razões de ordem comercial, sobretudo de novidade, de ir introduzindo
no seu reportório os últimos êxitos da rádio e do disco. A televisão, na altura
referimo-nos aos anos 60 ainda não exercia, a nível musical, uma
influência decisiva, que a rádio, porém, já detinha havia tempos.
Note-se que estes acordeonistas eram «falados» apenas para os dias de festa, de
«sortes», de casamentos e baptizados, pois nas restantes ocasiões continuavam os
tocadores dos instrumentos antigos a garantir os bailes das comunidades rurais. Por esta
altura, porém, já poucos tocadores de guitarra e de flauta subsistiam, permanecendo
sobretudo os de harmónio e também os de gaita-de-foles, estes para as ocasiões a que
continuavam ligados (as noitadas dos círios, como referimos).
Vem, por fim, a vaga dos conjuntos «pop» e sobretudo do revivalismo do rock and roll
que, por meados da década de 70, alterou radicalmente a face dos bailes rurais. Coube, na
verdade, a esses conjuntos a introdução da música anglo-saxónica nos gostos e na
cultura rural, que coincidiu com o abandono definitivo das danças tradicionais, no
aspecto simultaneamente musical e coreográfico. Foi, efectivamente, entre 1970 e 1980,
que se deu a transformação definitiva do panorama músico-coreográfico das aldeias
estremenhas: por força da crescente influência da rádio e da televisão, a mocidade foi
abandonando as modas bailadas que lhe eram garantidas pelos velhos tocadores da aldeia, a
favor dos ritmos e músicas que, importados do estrangeiro, a cidade lhes oferecia. (...)
Em suma, com a introdução definitiva do rock and roll e derivados na sociedade rural,
através (agora principalmente) da televisão e dos conjuntos modernos, de instrumentos
eléctricos, as novas gerações deixaram de aprender as danças antigas e quebrou-se o
elo da tradição oral.
Ora, todos os velhos tocadores com que travámos conhecimento haviam aprendido as suas
modas de ouvido, pois nenhum deles sabia música. Essas modas coreográficas (mesmo as
oriundas doutros estratos sociais e até do estrangeiro, como veremos) tinham, assim, sido
oralmente transmitidas de geração em geração e assumiam, por isso, o carácter de
música tradicional.
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Flautista de
Relvas, Caldas da Rainha, 1998 |
Como deixaram de ser solicitados para os bailes da aldeia e como não houve
novos tocadores que deles aprendessem as modas tradicionais, foram eles os últimos
portadores da tradição músico-coreográfica estremenha, que chegou assim ao seu
terminus. Desta sorte, quando, por finais dos anos 70 e durante a década de 80, fizemos a
nossa investigação no terreno, os velhos tocadores que fomos encontrar já não estavam
actuantes como outrora. Limitavam-se uns a tocar ainda nas tabernas mas já não para a
mocidade dançar, antes para entretenimento dos presentes, outros a tocar em excursões ou
em petiscos familiares, outros ainda para seu mero gozo e divertimento pessoal, em casa ou
à soleira da porta.
Tanto estes velhos tocadores como, em geral, as pessoas de mais de cinquenta anos, com
quem contactámos nas aldeias, olham com certo desdém a forma de dançar das novas
gerações, não lhes reconhecendo valor. Referem-se não tanto aos movimentos
«desconcertados» dos dançadores quando bailam separados, mas sobretudo à falta de
movimentos quando os pares bailam agarrados. A crítica não é propriamente moralista,
antes releva da pura estética e do conceito popular de ludismo coreográfico: não vêem,
no simples arrastar de pés e encostar de corpos, qualquer sombra de dança, porque, para
eles, dançar exige, por um lado, uma representação ou desenho coreográfico colectivo
com um mínimo de complexidade e beleza, como eles faziam «algum tempo» (antigamente);
e, por outro, tem de resultar num prazer, por via da realização completa e perfeita, com
o par e até com todos os bailadores em acção, de tal desenho coreográfico.
José Alberto Sardinha |