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Os
Bailes
Tradicionais |
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O Baile como
Rito de Passagem |
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A
Evolução dos Bailes Populares |
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Os Bailes
Populares da Cidade de Lisboa |
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As Danças |
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Resumo
dos Fonogramas |
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Fonte:
Tradições Musicais da Estremadura
Os conteúdos aqui
apresentados foram retirados do Livro "Tradições
Musicais da Estremadura" de José Alberto Sardinha, uma cortesia do autor e da
Editora Tradisom. |
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As Danças
Tradicionais - Tradições Musicais da Estremadura
Outras Danças
José Alberto
Sardinha (In "Tradições Musicais da
Estremadura")
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Nesta secção incluímos sobretudo as danças de apropriação europeia
que o povo português acolheu no século passado, adoptou e assimilou ao seu ethos. É
óbvio que já demos a algumas delas destaque separado, (...) mas cabe agora referir as
que mantiveram as suas designações de origem e que não oferecem, por isso, dúvidas de
proveniência, tendo por comum o facto de serem danças nascidas na Europa Central e que
conheceram fortuna durante o século passado, ao longo do qual fizeram aparecimento no
nosso país.
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José Ribeiro Sousa tocando a «Cana
Verde».
Costa, Leiria, 1999 |
É de salientar que na Estremadura terá ocorrido um fenómeno de implantação
muito forte dos ritmos europeus oitocentistas, tal como terá sucedido nas outras
províncias do Sul (Ribatejo, Alentejo e Algarve), mas não nas do Norte. Com efeito,
acima da linha que liga as imediações de Leiria ao curso nascente-poente do Tejo,
subsistiu um estrato músico-coreográfico notoriamente mais antigo, o qual, para sul
dessa linha não resistiu ao impacto, decerto mais profundo, da voga oitocentista, razão
por que aqui pouco sobrou das danças anteriores a esse impacto. É de supor que esse
estrato antigo da região sul apresentasse bastantes semelhanças com o das províncias do
norte, sabendo-se mesmo que existiam algumas danças comuns. Por isso daremos especial
destaque à «Cana-Verde».
Enumeremos, pois, as danças que incluímos nesta varia: em primeiro lugar, a valsa, de
que gravámos nada menos que quarenta e cinco exemplares. Segundo a maioria dos autores, a
origem da valsa deverá encontrar-se no Landler, dança rústica alemã, havendo porém
quem a faça derivar da velha volta provençal, esta por sua vez de ascendência italiana.
Tomás Borba e Lopes-Graça, no seu Dicionário, salientam que a valsa, ou as danças que
se lhe assemelham pelo ritmo ternário, já era conhecida no século XV. Seja como for,
foi o século XVIII que lhe deu o nome e o XIX que a consagrou como grande dança de
salão por toda a Europa, incluindo Portugal.
O povo português depressa a captou da alta sociedade e a começou a bailar. A coreografia
estremenha das variadas valsas que colhemos baseia-se essencialmente no tipo de dança de
roda aos pares, em que estes bailam agarrados e simultaneamente evoluem em círculo,
obedecendo à roda em que estão inseridos daí o nome de valsa rodada ou valsa de
roda (Casais Gaiola, Cadaval). Noutras, a coreografia apresenta ligeiras variações de
pormenor, que a fazem ganhar novas designações: valsa rasteira (porque os pés não
«espalham» muito, «moem» rente ao solo), valsa puladinha (porque os pares, a certa
altura, passam a evoluir em sentido inverso, batendo então com o pé no chão e dando um
pequeno pulo), ou ainda valsa remoinhada. Depois, há também a valsa do balancé (de
valse balancée, la vague), a valsa da ronda, a valsa do espanhol, a brasileira, as
numerosas valsas antigas e ainda aquelas que o povo continuou designando simplesmente como
valsas. Outras, por fim, ganharam o nome de alguma cantoria que o povo lhes adaptou: «Já
lá Vai o Meu Bom Tempo», «Era o Vinho» (muito conhecido por todo o país), «O Lenço
Encarnado», «A Chita da Minha Blusa», «Corre, Corre, Cordelinho».
Registámos valsas praticamente em todos os concelhos sobre que incidiu o trabalho de
campo: Caldas da Rainha, Lourinhã, Torres Vedras, Leiria, Alenquer, Sintra, Peniche,
Mafra, Porto de Mós, Óbidos, Loures e Palmela.
Já os exemplares de polcas que recolhemos não foram nem tão numerosos, nem tão
difundidos geograficamente: propriamente com essa designação apenas registámos três
espécimes, nos concelhos de Mafra, Torres Vedras e Sintra.
Outrossim gravámos quatro exemplares de uma moda denominada «Bico e Tacão», muito
popular por toda a região saloia (Loures, Sintra, Mafra, Alenquer e Torres Vedras), que
assim foi denominada por ter um passo em que os bailadores batem o calcanhar e a ponta dos
pés. Trata-se notoriamente da polca. Em Itália também ainda hoje é conhecida nos meios
rurais uma moda coreográfica igualmente denominada punta e tacco, com as mesmas
características das que ouvimos na Estremadura portuguesa, a qual é tida como polca por
Giuseppe Gala, organizador da colecção discográfica Ethnica.
A polca, no seu característico compasso binário, terá conhecido nascimento na Boémia
no princípio do século XIX e apareceu em Paris em 1840, após o que se tornou moda e
loucura nos salões e ganhou a Europa. Segundo Maurice Louis, a França conheceu, com a
polca, uma autêntica revolução na dança, já que fez furor não só na burguesia mas
também entre o povo. De tal forma que destronou a contradança, que era até então a
dança mais praticada. A Portugal chegou através dos salões da sociedade ou, como quer
Sampayo Ribeiro, do teatro. E não demorou muito a chegar, pois terá sido em 1844 que,
segundo o testemunho de Tinop se dançou pela primeira vez a polca em Lisboa numa reunião
privada, e em 1845 no S. Carlos.
Possuímos um pequeno livrinho intitulado Nova Arte de Aprender a Dançar, da autoria de
Francisco Gomes da Fonseca, editado no Porto em 1849, que já inclui, num apêndice e como
novidade, «a polka, que tão grande nomeada tem adquirido nos salões de Londres e
Paris». E no já citado Manual de Dança, de que infelizmente só possuímos a 4ª
edição, datada de 1879, refere-se, a propósito do cotillon, a preferência que a polca
já detinha, nos próprios salões, em relação à valsa: «O cotillon é a dança final
de um baile. Dança-se walsando-o ou polkando-o; mas a polka é o geralmente adoptado,
porque grande número de pessoas não walsam, ou walsam de uma maneira incorrecta,
enquanto que hoje ninguém deixa de polkar».
Em texto de 1881, Pinheiro Chagas dá conta de como a alta sociedade em férias nas Caldas
da Rainha se entretinha dançando polcas e valsas ao piano no Club das Caldas. Também das
Caldas, já no princípio deste século, dá-nos o escritor caldense Luiz Teixeira a
recordação de, ainda menino, ouvir as bandas filarmónicas rivais (a música velha e a
música nova, como não podia deixar de ser) competirem furiosamente em «duelo de polcas
e mazurcas». E na Ericeira, os bailes da alta sociedade local, no Clube Ericeirense,
foram, no Carnaval de 1910, essencialmente preenchidos com valsas, polcas e quadrilhas.
Após ter sido recebida pela alta sociedade, a polca popularizou-se e divulgou-se
sobretudo no termo de Lisboa e região saloia. Foi, efectivamente, nesta zona mais
próxima da capital que verificámos a predominância do esquema músico-coreográfico da
polca, tanto dos exemplares assim designados, como daqueles a que já antes fizemos
referência e que poderão eventualmente provir desse esquema, como é o caso do
bailarico. João Paulo Freire, ao descrever o baile que costumava ter lugar na casa do
novo juiz, no final do Círio dos Santos, da vila de Mafra ao Livramento, em finais do
século passado, princípios deste, fala da «polka saltitante».
Por seu lado, a mazurca percorreu o mesmo trajecto que a polca na sua divulgação pela
Europa oitocentista. Teve origem polaca e já era conhecida no século XVI, mas a mazurca
que veio a ganhar a moda europeia foi, segundo Ernesto Vieira, op. cit., uma imitação
simplificada da mazurca polaca e que, na realidade, era uma polca-mazurca. Esta terá
surgido nos salões parisienses nos meados do Oitocentos, após o que, tal como a polca e
naturalmente pelas mesmas vias, ganhou outros países, incluindo o nosso. Na Estremadura
apenas gravámos uma mazurca com este nome (Assafora, Sintra), mas, como acima dissemos,
ela ganhou aqui grande popularidade sob a designação músico-coreográfica de valsa de
dois passos.
Deve salientar-se que a expansão da mazurca, como aliás doutros ritmos europeus
oitocentistas, ultrapassou os limites da Europa e atingiu outros continentes. Lembramos o
caso de Cabo Verde, em cuja ilha de Santo Antão foi recolhida uma mazurca vide
faixa 6 de «Dez Granzin di Tera», rec. de Jorge Castro Ribeiro e Jorge Torres, A Viagem
dos Sons.
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Manuel Parcelas na
concertina e António Assunção (castanholas) tocando o «Passecate». Assafora, Sintra,
1987. |
O termo «passecate», correntemente usado pelo nosso povo, é corruptela de
passo-a-quatro, tradução do francês pas-de-quatre, dança de origem inglesa que a
França acolheu e adoptou nos finais do século XVIII e que por toda a Europa difundiu na
sequência da expansão napoleónica, incluindo em Portugal, que assim com ela tomou
contacto nos inícios de Oitocentos. Na Estremadura, foi uma das danças características,
como refere o Prof. Tomaz Ribas.
O exemplar que transcrevemos em partitura, tocado por Miguel Parcelas, de Assafora,
Sintra, à «concertina» diatónica, conserva ainda, no seu típico ritmo a quatro
tempos, um toque palaciano e um amável sabor gaulês, na graciosidade e elegância da sua
melodia, levemente «picada», e mereceu figurar na colectânea musical denominada Modas
Estremenhas, que publicámos em 1989. A coreografia praticada em Assafora era a seguinte:
os pares situam-se lado a lado de mãos dadas, em fila, começando por três ou quatro
passos para a esquerda, logo seguidos de outros tantos até chegar à posição inicial.
Na segunda parte da música, os pares «valseiam», isto é, dançam agarrados no mesmo
sítio, primeiro para um lado e depois, na repetição, em sentido inverso. É de
salientar a semelhança desta coreografia com a que é prescrita para o pas-de-quatre no
Traité pratique de la danse, o que mostra que poucas alterações coreográficas sofreu
na viagem para Portugal e na sua assimilação pelo nosso povo.
Efectuámos gravação de oito passecates, nos concelhos de Óbidos, Caldas da Rainha,
Lourinhã, Cadaval, Sintra e Alenquer (aqui com o nome próprio, passo de quatro).
Musicalmente menos rico e interessante é o género da marcha, de que gravámos na
Estremadura vinte e oito exemplares, com os mais variados títulos: «Marcha do Círio»
(própria para acompanhar os cortejos e os peditórios dos círios, como acima referimos,
exemplificando com transcrições musicais), «Marcha do Miguel Bombarda», «Marcha do
Tanganho» (de que acima reproduzimos partitura), «Marcha da Mulher do Padeiro»,
«Marcha de Santo António», «Marcha dos Marinheiros», «Marcha das Chinelinhas» de
Peniche, «Ó Preto, ó Preto», «Marcha da Moreninha», «Abraça Portugal», algumas
denominadas por «Marcha Antiga» e as mais simplesmente por marchas. Colhemos estes
exemplares nos concelhos de Caldas da Rainha, Cadaval, Peniche, Lourinhã, Torres Vedras,
Mafra, Sintra, Palmela e Sesimbra.
A marcha foi, originariamente, um género musical destinado a acompanhar a movimentação
de grupos humanos, sobretudo militares, tocada por instrumentos de sopro e percussão. No
século XIX, as bandas militares foram os seus principais intérpretes, passando depois
também as civis, ou filarmónicas, a tocar marchas, certamente por influência dos seus
maestros que quase sempre acumulavam cargos de direcção naquelas e nestas. De todas
elas, que frequentavam, como continuam frequentando, os arraiais e festas, passou o povo,
quer urbano quer rural, a ouvir as marchas, lá de cima dos coretos. Daí a dançá-las
foi um passo e depressa os tocadores populares terão conservado, na sua privilegiada
memória, as melodias que assim escutavam e que depois repetiam nas respectivas aldeias,
com o seu característico andamento em compasso quaternário.
Tornou-se, assim, a marcha um género coreográfico que o povo estremenho muito
bailou e apreciou. Nos locais onde a registámos, a marcha nunca nos foi referida como
tendo coreografia colectiva: os pares limitavam-se a dançar agarrados, «sem preceito de
conjunto».
Salientamos o registo de apenas quatro caninhas verdes, uma na Freiria, Torres Vedras
outra na Bemposta, Loures, outra no Paúl, Mafra, e ainda outra no concelho de Leiria,
originária do lugar da Costa. Foi desta última localidade que seleccionámos o exemplar
que acima transcrevemos, de interessante recorte melódico, que tem como particularidade
de realce o facto de ser cantada e depois tocada à flauta de cana pelo mesmo intérprete.
Justamente em Mafra assinalara João Paulo Freire, nos finais do século XIX, princípios
deste, a existência da caninha verde, dançada com sapateado, no bailarico do novo juiz,
no regresso do Círio dos Santos, da vila de Mafra ao Livramento. O tocador João Ferreira
(«albardeiro»), de Campelos, Torres Vedras, lembra-se de o seu pai, tocador de
harmónio, tocar e falar sobre a caninha verde, mas afirma que, na sua mocidade, por volta
dos anos 30/40, já não havia o costume de a dançar.
Este tipo de notícias, que revelam a antiga existência, no Sul do país, de danças que
hoje praticamente só encontramos no Norte, leva-nos a pensar que elas teriam outrora sido
comuns a todo o território. Simplesmente, o Sul terá sofrido mais forte penetração das
músicas bailadas importadas da Europa no século XIX, de que já fizemos suficiente
menção, o que atirou para o esquecimento aquele mais antigo substrato
músico-coreográfico (se é que a caninha verde pertence a esse substrato, como parece)
que assim melhor se conservou no Norte.
Por esta razão, a grande maioria das músicas de dança que gravámos na Estremadura
apresenta notória associação com as valsas, polcas, mazurcas, marchas, que já
referimos, por vezes explícita, por vezes implícita, como é o caso de espécimes que
manifestamente pertencendo a esses tipos músico-coreográficos, não nos surgem porém
com essas designações, antes com outros nomes, provenientes estes, por exemplo, do
primeiro verso da letra que lhes foi introduzida, ou por algum mais característico passo
ou particularidade coreográfica. (...)
Por último, assinalamos o registo de outras músicas bailadas, como o tango, a maxixa, o
fox-trot, ritmos consagrados na sociedade do nosso século e ainda outras de reduzida
expressão, como as «Carreirinhas», o «Saricoté», a «Verdizela», a «Rambóia», o
«Baile do Mineiro», o «Solidó», o «Tiro-liro», ou o «Bailho dos Caramelos» (este,
naturalmente, da região que lhe deu o nome, concretamente do concelho do Barreiro).
Já em diversos exemplos, como foi notoriamente o caso da contradança, demos
mostra de que grande parte das melodias das danças que acabamos de enumerar era por vezes
utilizada em funções não bailatórias. Aliás, algumas delas foram mesmo transmitidas
ao povo através de espectáculos teatrais, ou de concertos de bandas militares e
filarmónicas. Cabe agora, para encerrar esta secção, dar mais um desses exemplos,
referente à Lisboa oitocentista e narrado por Júlio César Machado. Descreve ele uma
curiosa cavalgada pelas ruas da capital constituída por um grupo de castiços que tinha
por função anunciar acontecimentos, como as touradas, distribuindo folhetos alusivos e
tocando furiosamente os instrumentos musicais que transportavam: cornetim, figles, tambor,
pífano. A charanga pára por vezes em bairros onde conheça algumas amigas do peito e dá
o seu concerto a pedido da assistência, tocando «polkas e chotiças».
A função destes músicos é semelhante, pois, à dos pregoeiros. Só que agora já não
é a voz humana que apregoa a mercadoria ou o acontecimento, mas sim os folhetos
distribuídos, exercendo a música, já exclusivamente instrumental, a função de chamar
a atenção dos circunstantes. Note-se que, segundo informa o autor, o «bando» tinha a
obrigação de correr a cidade inteira, por tal ser certamente o contratado. Calcula-se
que estes músicos fossem recrutados entre os tocadores de bandas, militares ou
filarmónicas. O seu ar extravagante, muito ao gosto deste tipo de funções populares de
destaque, é patente no desenho de Manoel Macedo que acompanha o texto de Júlio César
Machado. José Alberto
Sardinha |