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Os
Bailes
Tradicionais |
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O Baile como
Rito de Passagem |
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A
Evolução dos Bailes Populares |
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Os Bailes
Populares da Cidade de Lisboa |
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As Danças |
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Resumo
dos Fonogramas |
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Fonte:
Tradições Musicais da Estremadura
Os conteúdos aqui
apresentados foram retirados do Livro "Tradições
Musicais da Estremadura" de José Alberto Sardinha, uma cortesia do autor e da
Editora Tradisom. |
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As Danças
Tradicionais - Tradições Musicais da Estremadura
O Fandago
Exemplo:
Fandango
(Caldas da Rainha, Casal Valinho, 1983)
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Será certamente impossível garantir qual a dança mais divulgada
em terras da Estremadura. Pela nossa parte, o que podemos dizer é que foi o fandango a
dança que encontrámos com mais frequência, tendo feito gravação de trinta e cinco
exemplares, nos concelhos de Mafra, Sintra, Torres Vedras, Cadaval, Lourinhã, Peniche,
Caldas da Rainha, Alcobaça, Porto de Mós, Sesimbra, Loures e Leiria, de que
seleccionámos, para transcrição, o gracioso «Fandango» de Casal Valinho, exemplar que
foge ao padrão comum dos fandangos mais conhecidos.
Não significa isto que nos outros concelhos se não bailasse o fandango:
significa tão só que não encontrámos aí tocadores ou exemplares musicais de qualidade
suficiente para integrar a nossa selecção. Na região de Palmela, por exemplo, colhemos
notícia de que também aí se bailava o fandango.
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Dança do Fandago no
Portugal Rural do Século XVIII.
Excerto de uma Gravura de James Murphy |
A preferência do nosso povo pelo fandango é antiga e vem, pelo menos, do
século XVIII, altura em que numerosos autores, nomeadamente viajantes estrangeiros, a
referem. A par da fofa e do lundum, o fandango era então muitíssimo apreciado em todas
as camadas sociais, desde a nobreza ao povo, chegando mesmo a ser considerado como a
verdadeira dança nacional. Sabe-se, efectivamente, que despertou um entusiasmo delirante
no Portugal de Setecentos, paixão a que não era imune a própria corte, que o ia ver
dançar nos teatros da capital. A nível da alta sociedade, o fandango substituiu
completamente o minuete, que gozava de grande aceitação mas que foi caindo
progressivamente no esquecimento a favor daquele, não sem que antes houvessem vingado
formas híbridas, como o minuete afandangado.
Assumia o fandango então características voluptuosas, em que se destacava a
sensualidade dos meneios femininos e o frémito galanteador do homem, que rodopiava em
torno da mulher, cantando e gritando até à exaltação, com gestos e modos que lhe
valeram o epíteto de dança obscena por parte de alguns visitantes estrangeiros. Este
carácter foi-se delindo com o tempo, o que não impede de a considerarmos, ainda hoje,
uma dança de galanteio e sedução, mesmo quando a sua evolução a conduziu a puras
demonstrações de agilidade e exibicionismo.
Foi esta forma coreográfica de mero exibicionismo que acabou por ficar mais conhecida no
Portugal dos nossos dias, sobretudo através das suas versões ribatejanas, que apresentam
habitualmente dois homens frente a frente, em alternado frenesim de sapateado. Talvez por
isso se associa o fandango exclusivamente ao Ribatejo. Erroneamente porém: o fandango é
uma dança disseminada por todo o país, de norte a sul, e naturalmente também entre o
povo estremenho, que lhe dedica uma estima que nada fica a dever aos da
borda-dágua.
Parece pacífico que de Espanha nos veio o fandango. Note-se porém que, sob esta
designação, lá como cá, se albergam os mais diversos bailes e não um tipo particular
de baile. Não cabendo aqui desenvolver todas essas diferenciadas situações e também
proveniências, é mister salientar a semelhança entre o espanholíssimo baile flamenco,
tão cultivado na Andaluzia, com a descrição da forma voluptuosa setecentista que acima
deixámos feita. (...)
É de muito interesse o depoimento de Francisco Manoel da Silveira Malhão, nascido em
1757, que na sua adolescência em Óbidos aprendeu a dançar o fandango e que, a esse
propósito, faz um comentário que não deixa qualquer dúvida sobre a proveniência
espanhola da dança e até sobre a região portuguesa que, na altura, era mais reputada na
prática da mesma dança: «... e o fandango bailado por mim fazia crer a quem me via que
eu era natural de Castella, ou pelo menos filho de Borba». Note-se que Joseph Baretti viu
dançar o fandango em Elvas nos meados do século XVIII.
Segundo Richard Twiss, citado por Mário Costa, op. cit., os portugueses adoptaram o
fandango dos espanhóis no tempo da dominação filipina. A dança espanhola teria, por
sua vez, origem árabe, de que os meneios femininos do fandango setecentista seriam um
resquício. Entre outros, Eduardo Noronha admite reminiscências de danças árabes no
fandango, lembrando semelhanças no canto e nos passos de dança. Rodney Gallop
informa-nos que igualmente Julian Ribera considera ter o fandango origens árabes, as
quais porém, se eventualmente existentes, nos parecem mais fáceis de vislumbrar na
coreografia do que, propriamente, na música.
Seja porém a sua origem qual for, o fandango estava perfeitamente enraizado no Portugal
de Setecentos, tanto que vários visitantes estrangeiros assinalam a grande aceitação de
que gozava entre nós. É o caso de Richard Twiss, que relata a cena de um taberneiro de
rústicos, com a mulher, batendo o fandango ao som de uma «guitarra». James Murphy,
também na segunda metade do século XVIII, mostra-nos na ilustração His guitar um par
de Mafra bailando o fandango.
Nos nossos dias, temos informações de fandangos provenientes de todas as províncias,
aliás com estruturas coreográficas as mais diversas. Também no domínio musical, as
diferenças são, por vezes, sensíveis, havendo um aspecto importante a salientar: muito
embora o fandango seja mais conhecido, entre nós, na sua forma meramente instrumental,
ocorre frequentemente também sob a forma cantada.
Já o citado Richard Twiss fazia referência, da seguinte forma, ao fandango cantado: «O
homem dança com o sombreiro na cabeça, aproximando-se e afastando-se da mulher,
rodopiando, saracoteando-se, gritando, cantando». Também Joseph Baretti refere, em
meados do século XVIII, que o fandango é dançado ao som apenas de uma guitar
(provavelmente viola), ou da guitar acompanhada pela voz, o que é uma conjugação feliz
quando o tocador tem boa voz. Igualmente em Espanha o fandango é, ou pelo menos era,
cantado, como nos mostra a partitura de 1888 oriunda de Málaga, inserta na citada obra
Folklore y Costumbres de España. Também Eduardo Noronha nos fala do canto do fandango e
Mário Costa afirma expressamente que «o canto do fado destronou o canto do fandango».
Rondas
Na Estremadura, sem embargo do maior número de
versões instrumentais, gravámos também, na parte setentrional da província, alguns
fandangos cantados. É o caso do Reguengo Grande, Lourinhã, e do seu «Fandango da
Ronda». Olhe lá, menina Amélia,
/ É a flor do meu jardim. / É o ramo mais bonito, / Queu lá acho para mim.
Não obstante ter fundas tradições na cultura portuguesa, a ronda perdeu muita da sua
antiga vitalidade. Restam apenas alguns casos dispersos no norte do país, de que se
destacam as serenatas coimbrãs. Esta tradição das rondas, que aliás encontra em
Espanha correspondência integral nas rondallas, consiste resumidamente no percorrer das
ruas por parte dos moços da terra tocando os mais variados instrumentos e cantando nos
largos e perto das casas das moças suas preferidas, geralmente de Maio a Outubro e
nomeadamente em certas ocasiões especiais como as vésperas de casamentos, dos Santos
Populares e outras festividades. (...)
Da Estremadura, temos notícia de que, nos finais do século XIX, era costume os rapazes
da Ericeira cantarem «descantes» à porta das namoradas, pelas noites luarentas de Maio.
Colhemos, além disso, informações de que por todo o país estremenho se faziam rondas
de rapazes, não sendo Lisboa excepção. Em entrevista de 27-VI-81 a Pereira Alves,
Alfredo Marceneiro manifestava ter saudades «das minhas rondas fadistas pelo Bairro Alto
e Alfama, até às tantas da madrugada».
No Reguengo Grande, os rapazes deixaram de fazer rondas há cerca de trinta anos
(informação de 1983). Era sobretudo na altura dos Santos Populares que elas tinham
lugar: na véspera do dia (tanto de Santo António, como de S. João, como de S. Pedro),
à noite, acendia-se fogueiras em vários largos da aldeia, onde se havia colocado mastros
com bonecos de palha no alto. Em volta das fogueiras, armavam-se pequenos bailaricos. As
raparigas tinham o hábito de queimar as pontas das alcachofras no fogo e de as levarem
para casa. Se, no dia seguinte, continuassem a rebentar flor azul, é porque o rapaz
eleito gostava delas.
No final do baile, pegava-se fogo à rama que envolvia o pau. O boneco, ao ser atingido
pelo fogo, era desfeito pelas bombas que rebentavam do seu interior e «estrapicalhava-se
todo cá em baixo», no meio da algazarra geral. Depois, as raparigas recolhiam a suas
casas e os rapazes juntavam-se aos grupos, percorrendo as ruas, em ronda, e cantando às
janelas daquelas. A moda escolhida para esta função era obrigatoriamente o «Fandango da
Ronda», que se tocava ininterruptamente até ao final da noite. Quando chegavam às
janelas das raparigas, os rapazes cantavam-lhes quadras de teor amoroso que improvisavam
na altura. De toda esta tradição, hoje apenas se conservam as fogueiras.
É inevitável a comparação [do fandango da Ronda] com as canas-verdes e chulas
minhotas, não só pela função exercida o desafio , mas sobretudo pelo
carácter e ambiente musical muito próximos. Saliente-se, aliás, que conhecemos
fandangos minhotos, que também são cantados em despique. Temos ainda conhecimento de um,
aliás interessantíssimo, e semelhante a este fandango cantado, que ouvimos em
Idanha-a-Nova, adaptado cerimonialmente como epitalâmio, com versos de parabéns aos
noivos.
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Manuel Francisco, Maria
Gertrudes Fialho e Gertrudes Gregório Jesus interpretando o «Fandango Cantado». Caldas
da Rainha. |
Gravámos também fandangos para cantar ao desafio em Relvas e em Alvorninha,
ambas do concelho de Caldas da Rainha. Igualmente em Óbidos, A-dos-Negros, o fandango era
cantado ao despique nos anos 50, como refere João Evangelista na sua monografia
A-dos-Negros Uma Aldeia da Estremadura: «Um harmónio ou uma flauta bastavam para
um desafio de fandango bailado e cantado». Note-se que mesmo este fandango cantado era
também bailado.
A importância pretérita deste fandango cantado e também o halo que transparece do
exemplar que ouvimos em Cruzes acima transcrito, muito semelhante aos desafios nortenhos,
levam-nos a considerar acertada a afirmação de Mário Costa, (...) segundo a qual o
canto do fado destronou o canto do fandango, opinião aliás também perfilhada por Pinto
de Carvalho Tinop. (...)
Importa agora sintetizar a coreografia do fandango que encontrámos pela Estremadura, a
qual não é, aliás, muito variada. Na verdade, o esquema mais conhecido do fandango é o
que o povo estremenho também consagrou: dois «bailhadores» frente a frente, bailando e
sapateando alternadamente, «a ver qual é o que tem mais ligeireza de pés e
afundamento». Por «afundamento» entende-se reportório de pés, mudanças no sapateado
(Maxial, Torres Vedras). Os dançadores podem ser rapaz e rapariga, rapaz e rapaz (mais
frequente) ou, mais raramente, duas raparigas. Enquanto um dos bailadores dança, o outro
apenas «acompanha». Depois, «estão os dois ali um bocado a rastejar os pés», até o
outro começar a sua vez. E ali permanecem os dois, assim à disputa, a «esbancar», a
ver qual deles faz mais «mudanças de pés» e mais vistosas (Reguengo Grande,
Lourinhã). Em Mafra, era costume a audiência eleger um vencedor. No Seixal, Lourinhã, a
descrição foi-nos dada da seguinte forma: «enquanto um apresenta a sua dança, o seu
trabalhar de pés, o outro apenas faz o jogo», ou seja, apenas se balanceia descansando.
Tivemos ocasião de ainda ver bailar o fandango em arraiais estremenhos, homens com
mulheres dançando frente a frente, em simultâneo, e comprovámos a asserção de Armando
Leça: o fandango é a dança que transforma os pés em bilros. Na zona da Batalha, a
dança não se limitava à simples exibição do «trabalho de pés», rapazes frente às
raparigas: em certa fase, o grupo de quatro bailadores girava, rapazes atrás das
raparigas, até se vir novamente a colocar em quadrado cruzado.
Na Costa de Baixo, Maceira, Leiria, o fandango era dançado por rapazes e raparigas, às
vezes de roda, outras vezes, muito mais frequentemente, em coluna. Em qualquer dos casos,
eles de frente para elas e «desagarrados».
Quando a coreografia era em coluna, havia um longo pau, ou vara, a separar a coluna dos
rapazes da das raparigas (tal como acontece com a dança da tranca da Beira Baixa). Aquele
que, por desequilíbrio ou ousadia, passasse para o lado de lá do pau, tinha um castigo:
dançar até ao fim, até «rebentar». Era ao mesmo tempo um castigo e uma glória.
Este tipo de proezas andava muito ligado ao fandango: o informador António Bento, do
lugar de Batalha, concelho de Sobral de Monte Agraço, recorda que seu irmão conseguiu
certo dia aguentar-se «três horas a bailhar o fandango e sempre com escovinhas
demudadas».
Na região de Óbidos e Bombarral, era célebre um bailador do lugar do Pó, que costumava
dançar um fandango inteiro com uma garrafa, meia cheia de vinho, em cima da cabeça, sem
a deixar cair ao chão, habilidade em que o Chico Trindade, da Goucharia, Cadaval, hoje
já com oitenta e muitos invernos, também era exímio nos tempos da sua mocidade. Igual
proeza acontecia nas adiafas da azeitona da Casa Agrícola João Travaços Mendonça
Santos, na Batalha, pelos anos 30: uma mulher dos casais dançava o fandango em cima de
uma mesa com uma garrafa de vinho na cabeça. (...) José Alberto Sardinha |