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Os
Bailes
Tradicionais |
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O Baile como
Rito de Passagem |
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A
Evolução dos Bailes Populares |
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Os Bailes
Populares da Cidade de Lisboa |
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As Danças |
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Resumo
dos Fonogramas |
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Fonte:
Tradições Musicais da Estremadura
Os conteúdos aqui
apresentados foram retirados do Livro "Tradições
Musicais da Estremadura" de José Alberto Sardinha, uma cortesia do autor e da
Editora Tradisom. |
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As Danças
Tradicionais - Tradições Musicais da Estremadura
Dança de Roda
Exemplo:
No Alto
daquela Serra (Caldas da Rainha,
Almofala, 1987)
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A dança de roda é seguramente o tipo coreográfico mais difundido na
Europa e em todo o mundo. A sua simplicidade contribuiu decerto para isso: os dançadores
formam uma roda, intercalando os do sexo masculino com os do feminino. Na fórmula mais
difundida, dão as mãos uns aos outros, virados para o centro do círculo, evoluindo a
roda no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. De vez em quando, nas ocasiões
em que a música o sugere, param e batem palmas, para de seguida retomarem o movimento
circular.
Além da simplicidade, autores há que atribuem a sua divulgação ao valor mágico do
círculo e da evolução em círculo, que representaria quiçá o movimento aparente do
sol, ou que favoreceria a fertilidade. Seja como for, a roda é a mais primitiva forma de
dança colectiva, garantindo Maurice Louis a sua existência desde os tempos
paleolíticos. O seu tipo medieval mais conhecido é a carole, que era seguramente cantada
pelos dançadores, primeiro por um solista, a que respondiam depois todos os outros.
Grande parte das danças dos peregrinos ao santuário de Nossa Senhora de Montserrat
transcritas no Llibre Vermell (séculos XIV e XV) são circulares, com os dançadores
dando-se as mãos. Note-se que tanto eram interpretadas à entrada do santuário como no
interior do templo.
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Dança de roda, França,
século XV. Manuscrito da Bibliothèque Nationale de Paris. |
A dança de roda parece ter sido a matriz de muitas outras danças, já que foi
a partir da sua coreografia, das suas variações, dos passos laterais, das mãos dadas
aos pares, da elevação das mãos, que foram sendo gerados os outros géneros
coreográficos, desde a Idade Média, atravessando a Renascença, até chegar às valsas,
polcas e mazurcas do Oitocentos.
Em Portugal, como aliás no resto da Europa, a dança de roda conheceu grande
favor. É hoje entendimento pacífico que as cantigas de amigo acompanhavam a dança,
acordando muitos autores em que a estrutura paralelística denota a existência de um
solista, com resposta de um coro. Teófilo Braga diz mesmo que a letra dos cantares de
amigo era apenas um pretexto para acompanhar a dança. António José Saraiva considera
que o esquema das cantigas paralelísticas «sugere que eram cantadas a duas vozes
alternadas, excepto o refrão, entoado em coro».
E Tomaz Ribas adianta que «as cantigas paralelísticas permitem-nos supor um esquema
coreográfico assente numa dança circular com intervenções alternadas entre um corifeu
e o grupo, dança que se insere no grande grupo das danças de roda de que a mais famosa e
popular em toda a Europa medieval foi a carola». Aliás, já Aubrey Bell estabelecera
ligação entre a singeleza e o ritmo obsessivo dos cantares de amigo e as danças de
roda, que Rodney Gallop também perfilha.
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Dança de roda no
século XVI. Desenho a tinta da Escola Holandesa. Metropolitan Museum, Nova Iorque. |
As cantigas de amigo provêm seguramente do mais fundo e autêntico substrato
popular do noroeste peninsular e o seu paralelismo deve ter origem autóctone, na alma, no
lirismo, na sensibilidade galaico-portuguesa, ou até num mais vasto lirismo românico,
como sugere Rodrigues Lapa. A característica de os medievos cantares de amigo serem
colocados na boca da mulher parece ter relação com o facto de, ainda hoje, na nossa
música de tradição oral, sobretudo no Norte, serem as mulheres as mais importantes
portadoras do canto tradicional e as suas melhores intérpretes. Rodney Gallop refere que
«já no tempo de D. Dinis notaram viajantes estrangeiros que no Noroeste da Península,
ao contrário do que sucedia em outros países, as mulheres cantavam mais que os homens».
Com efeito, é um dado assente que, entre o povo rural, as mulheres cantam mais e melhor
que os homens, tanto nos trabalhos agrícolas, como nos serviços religiosos, como ainda
nos terreiros, na bailação. Ora, se é certo que uma primeira razão pode ser encontrada
numa maior e mais natural propensão para o canto por parte das mulheres, uma outra razão
justamente andará ligada às cantigas bailadas e particularmente às cantigas de roda,
que só são interpretadas por mulheres. Na verdade, se no cômputo geral dos cantares que
acompanham danças já são maioritárias as mulheres (excepção feita àqueles em que
há despique, caso em que homem e mulher geralmente se equilibram), nos bailes de roda
então, o canto está exclusivamente entregue às vozes femininas.
Em mais de vinte anos de trabalho de campo por todo o país, rarissimamente encontrámos
homens interpretando cantigas de roda. Ao invés, as gravações que efectuámos e as
informações que colhemos são contextes: os cantares das rodas, entoados, na maior parte
dos casos, sem qualquer acompanhamento instrumental, estavam a cargo das raparigas, que
simultaneamente cantavam e bailavam. Foi tão somente da boca de mulheres, agora já
cinquentenárias, que gravámos, por todo o país e também na Estremadura, cantigas de
roda com que, nos tempos da sua juventude, garantiam os bailes da sua aldeia quando não
aparecia tocador. (...)
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Três gerações de
mulheres batalhenses na homenagem a Afonso Lopes Vieira, em 1938. Fotografia cedida por José Travaços dos Santos |
Ora, Maurice Louis assegura que até muito tarde na Idade Média a dança era um
divertimento quase exclusivamente feminino, explicando-se assim que as primeiras canções
para bailar tenham sido feitas por mulheres. Talvez resida aqui uma das razões do
carácter feminino das nossas primitivas cantigas de amigo, que seriam, assim, bailadas e
entoadas por mulheres. Rodney Gallop justamente estabelece relação entre a tradição da
carole medieval, dança de roda executada com o canto dos próprios dançadores, e as
nossas cantigas de amigo, que para sempre consagraram o estribilho como uma das mais
importantes características da canção popular portuguesa (na carole, «o mestre cantava
a copla e os outros dançarinos o estribilho»). Se aplicarmos este género coreográfico
medieval ao noroeste peninsular e se considerarmos que a tradição local tinha as
mulheres como cantadoras e bailadoras, poderemos encontrar uma explicação para o citado
carácter feminino das poesias das nossas cantigas de amigo.
Aliás, António José Saraiva e Óscar Lopes, na sua História da Literatura Portuguesa
encontram para tanto explicação no arcaísmo da própria cultura local: «A cantiga de
amigo nasceu na comunidade rural, como complemento do bailado e do canto colectivo dos
ritos primaveris, próprios das civilizações agrícolas em que a mulher goza da maior
importância social; e é assim que, não apenas na Península ou na România, mas em
povos tão distantes como o chinês, se verificam vestígios, quer do paralelismo, quer da
cantiga de mulher».
Cumpre salientar um aspecto, que é de relevo: o facto de ser hoje inequívoco que os
nossos cantares medievais eram acompanhados instrumentalmente não significa que, a nível
popular, as cantigas de amigo possuíssem idêntico acompanhamento. É que os monumentos
que permitem aquela conclusão, nomeadamente as iluminuras do Cancioneiro da Ajuda,
reflectem a vivência daqueles cantares e respectivas danças entre as classes elevadas,
nada porém nos sendo dito a respeito das primitivas cantigas na prática das classes
populares, as quais seriam verosimilmente entoadas pelas raparigas sem qualquer
acompanhamento instrumental. Este acompanhamento, só teria, pois, surgido mais tarde. Vem
isto para estabelecer uma mais estreita ligação entre as cantigas de amigo autóctones,
populares, e os cantares de roda entoados por mulheres, que ainda hoje existem nos campos
de Portugal.
Seja porém como for, é inegável o enraizamento dos bailes de roda entre o nosso povo,
que os trouxe desde a Idade Média até aos nossos dias praticamente inalterados (falamos
aqui mais na coreografia, já que, quanto à música, se não deverá permitir semelhante
afirmação). (...)
[A dança de Roda] Aos nossos dias chegou, baile anónimo e modesto, ao lado de outras
danças que conheceram a fama, como os viras, malhões, chulas, contradanças, fandangos,
corridinhos, verde-gaios, valsas e bailaricos. Mas do que não há dúvida é que, a par
destes géneros mais conhecidos por mais falados, em todas as províncias a dança de roda
subsistiu com vitalidade insuspeitada.
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Dança de camponeses no
século XV. Manuscrito da Bibliothèque Nationale de Paris. |
Em todas as províncias temos, de facto, gravado cantigas de roda e colhido
informações sobre a importância dos bailes de roda na vivência lúdica das aldeias.
Ainda em 1990 estivemos numa aldeia do concelho de Sabugal, onde gravámos cantares que
costumam acompanhar os jogos de roda que, à volta da fogueira, todos os anos se continuam
fazendo na noite de S. João. Significativo nos parece o facto de, em 1989, termos colhido
de um velho tocador de «pífaro» (flauta travessa, de cana) da serra algarvia, concelho
de Loulé, as modas com que ele animava, até há duas décadas, os bailes das aldeias em
redor, e de todas elas serem bailes de roda. Na verdade, ele não conhecia o corridinho,
ou o baile mandado, ou a «Tia Anica de Loulé», danças habitualmente apresentadas como
características do Algarve, mas apenas melodias que as raparigas cantavam e ele
acompanhava e que eram... dançadas em roda!
Na Estremadura, embora minoritárias em relação a outros géneros coreográficos,
colhemos apreciável número de danças de roda, algumas instrumentais, a maioria cantadas
por mulheres. Assinale-se, porém, que quase todas as outras danças que registámos
possuem coreografia baseada ou muito aparentada com a roda, como adiante veremos quando
fizermos a respectiva descrição, o que mais uma vez demonstra a importância do baile de
roda na nossa tradição músico-coreográfica.
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Manuel Francisco, Maria
Gertrudes Fialho e Gertrudes Gregório Jesus interpretando o «Fandango Cantado». Caldas
da Rainha. |
No Paúl, Torres Vedras, o baile dominical que se armava no largo da igreja era
sobretudo composto por jogos de roda, dado que por ali não abundavam tocadores e o canto
das raparigas é que tinha de sustentar a bailação. Ora, as modas de roda eram o
reportório mais fácil e mais corrente entre as raparigas, que tanto as cantavam em coro,
como à desgarrada. Uma das melhores cantadeiras dos seus tempos de mocidade, Jesuína
Martins, agora (1984) com 63 anos, mas conservando muito espírito e alegria de viver,
transmitiu-nos alguns desses bailes de roda.
Esta é a mesma melodia que Fernando Lopes-Graça harmonizou para coro a quatro
vozes, referenciando-a como recolhida no Douro Litoral e que Maria Clementina Pires de
Lima colheu no concelho de Vila Nova de Famalicão, nos anos 30, e harmonizou para canto e
piano. Trata-se, efectivamente, de uma cantiga de roda muito difundida por todo o país,
não apresentando alterações melódicas de relevo de região para região.
O seu andamento descansado e a sua graciosidade e singeleza musicais são
próprias das mais características cantigas de roda. Literariamente apresenta, nas suas
versões mais completas, um esquema repetitivo que lembra o paralelismo das cantigas de
amigo, como se verifica do cotejo da primeira das transcritas quadras com estoutra,
também muito corrente e que é, aliás, a que serve nas citadas harmonizações de
Lopes-Graça e de Maria Clementina Pires de Lima.
Aliás, (...) era costume ser cada verso cantado por uma solista, com a repetição a
cargo de todas as raparigas, o que também faz lembrar, embora sem estribilho, as
respostas do coro ao corifeu, ou regente do canto e da dança, que eram próprias dos
antigos cantares galaico-portugueses. Era igualmente costume postar-se no centro do
círculo de dançadores uma rapariga, acenando com um lenço em consonância com a
cantiga.
Rodney Gallop também recolheu uma canção que começa com o verso «No alto daquela
serra», mas que difere no resto da quadra: «No alto daquela serra
/ Tem meu pai um castanheiro / Que dá castanhas em Maio / cravos roxos em Janeiro».
Trata-se de uma canção diferente daquela de que vimos falando. A própria melodia não
apresenta qualquer semelhança com a que acima transcrevemos, sendo antes idêntica a
outra que temos encontrado nas Beiras, justamente com a mesma letra. A sua função,
porém, deve ser, tal como a presente, dançar em roda.
Esta é uma versão instrumental, à guitarra, do conhecido «Enleio», singelo baile de
roda muito difundido por todo o país e em particular na Estremadura. Armando Leça refere
que, na digressão etnomusical que realizou em 1939/40, ouviu o «Enleio» entre a Sertã
e o Sorraia um pouco por todo lado e também em terras estremenhas. Tomaz Ribas
referencia-o no Ribatejo mas aponta-o como mais característico na Estremadura.
Em Mafra, onde o registámos, e também em Torres Vedras, era dançado duma forma muito
curiosa, que deixava os rapazes «enleados» (entrelaçados) com as raparigas: há duas
rodas, uma de rapazes e outra de raparigas. Logo que a música começa, aqueles passam as
mãos por cima destas, ficando assim rapazes e raparigas enlaçados entre si. A roda vai
girando, até que, ao chegar a segunda parte da música, os rapazes passam as mãos de
novo por cima delas, mas agora em sentido inverso, desenlaçando-se, após o que se juntam
aos pares e «valseiam», isto é, dançam agarrados girando no mesmo local, até ao fim
da música. Depois, na volta seguinte, são elas que levantam os braços e assim
sucessivamente. Na região de Loures, há aldeias em que rapazes e raparigas,
alternadamente, iam ao centro quando se cantava o refrão.
Como se deixa ver, este é um baile de roda que, para além da singularidade do
enlaçamento dos dançadores, certamente proveniente do seu próprio nome, apresenta já
uma coreografia mista, que deixa de ser, na segunda parte, a clássica roda. (...)
José Alberto Sardinha |