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Fonte:
Tradições Musicais da Estremadura

Os conteúdos aqui apresentados foram retirados do Livro "Tradições Musicais da Estremadura" de José Alberto Sardinha, uma cortesia do autor e da Editora Tradisom.

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As Danças Tradicionais - Tradições Musicais da Estremadura
A Contradança
Exemplo: Audio em MP3... Contradança (Caldas da Rainha, Casais Chiote, 1987)
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A contradança é, das danças que ainda hoje subsistem entre o nosso povo, uma das mais antigas. O seu nome original (country dance – dança campestre) revela a sua proveniência popular e inglesa. As classes altas da velha Albion desde cedo adoptaram as danças dos camponeses a que genericamente chamaram country dances, como demonstra a colectânea The English Dancing Master, de John Playford. Nessa designação englobavam os britânicos, tal como aliás ainda hoje sucede, todas as danças originárias do campo e não apenas uma delas, ou sequer um tipo.

Segundo Curt Sachs, havia dois grandes tipos de country dances: os rounds, que eram branles ou danças circulares em que homens alternavam com mulheres, e os longways, que eram danças de coluna em que uma fila de homens se posiciona em frente da fila de mulheres. Este último tipo apresentava enorme variedade de figuras, como arcos, estrelas, cadeias, passeio, idas ao meio, etc.

Contradança executando a dança das fitas ao portão da
Quinta do Castelo, Azueira, Mafra.
Fotografia de Manuel Mucharreira, final dos anos 50(?).

Cecil Sharp, autor do importante estudo The Country Dance Book, escreve na sua última obra The Dance – An Historical Survey of Dancing in Europe que o exame das sucessivas edições do citado The English Dancing Master entre 1650 e 1698 mostra que os longways foram progressivamente substituindo as mais antigas e menos elaboradas formas de rounds, square-eights, etc.».

Esta informação é de capital importância para se perceber que, em Inglaterra, o termo country dance era usado de uma forma muito genérica e incluía as ring dances (ou circle dances, mais tarde chamadas reels) e as long ou set dances (a que alguns autores, como Andrew Campbell e Roddy Martine, em The Swinging Sporran, chamam, não sem levantarem uma certa confusão, country dances).

Isobel Williams, na introdução do seu livrinho Scottish Country Dancing, afirma que enquanto a corte escocesa se mantinha limitada à dança de roda, a corte inglesa, na segunda metade do século XVI, adoptou uma forma de dança segundo a qual os pares tomavam os seus lugares em frente um do outro, em colunas ao longo da sala. Só no século XVII este tipo de dança ganhou a Escócia.

Terá provavelmente sido a partir desta adopção da long dance que a circle dance começou a ser abandonada, ou melhor, substituída por aquela, conforme Cecil Sharp detectou.

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Figuras da contradança, segundo a edição discográfica de Chants du Monde, a partir da
obra de John Playford.

É interessantíssima a edição discográfica de Chants du Monde, realizada nos anos 70 sob a direcção de John Wright, que nos mostra, para além da riqueza e variedade musical das country dances seleccionadas, a sua complexidade coreográfica, com grande quantidade de figuras, que é, ainda hoje, uma característica das contradanças conservadas na tradição popular portuguesa, como adiante veremos.

Ainda no século XVII, a contradança atravessou o canal e o seu nome original, country dance, evoluiu para a corruptela contredanse em França e entre nós para contradança.

A este respeito, parece ser decisiva a argumentação de Cecil Sharp: demonstra o fundador da English Folk Dance Society que, ainda nos finais do século XVII, as country dances inglesas ganharam o continente europeu, sendo disso o primeiro dado indiscutível a publicação em Paris, já em 1706, da Recueil de contredanses, compilada por Feuillet, afirmando este, no prefácio, que Madame La Dauphine tinha anteriormente introduzido as country dances em França. A obra inclui trinta e duas longways, dezasseis das quais podem ser encontradas na décima edição do Dancing Master de Playford (1698), sendo que as restantes foram compostas «segundo o modelo inglês». (...)

Lembre-se a importância que a corte de Luís XIV teve na música de dança europeia: os mestres de dança, para enriquecerem e variarem o reportório músico-coreográfico da corte, procuravam entre o povo as danças que mais lhes agradavam, adaptavam-nas coreograficamente com movimentos mais graciosos e musicalmente faziam os arranjos para os instrumentos eruditos. Esta sede de inovação levou-os também a adoptar danças estrangeiras e a inglesa country dance foi uma delas.

Enriquecida e refinada pelos coreógrafos e pela aristocracia francesa, aumentada mesmo com novas figuras ou marcas, a country dance tomou novos nomes, como contredanse française, cotillon (reformulação setecentista de uma dança popular francesa ou, como quer Curt Sachs, da contradança inglesa em círculo round for eight, introduzida no continente depois da longway) e quadrille (nova designação desta última, por finais do século XVIII). Após as ter colhido das mais variadas proveniências, a corte do Rei-Sol, ele próprio grande cultor e protector da dança, tinha depois o prestígio e a influência cultural para irradiar as suas danças para toda a Europa culta, inclusive para os países donde elas eventualmente tivessem provindo.

Foi, pois, a França que plasmou, apurou e elegeu um género de entre as muitas country dances que a Inglaterra lhe forneceu. Curt Sachs, op. cit., ao mencionar a contredanse française, afirma que ela representa o apuramento da round for eight tardiamente adoptada pela França quando a Inglaterra já quase a abandonara e que, para receber o nome de francesa, sofreu em solo francês profundas modificações. Sob o ponto de vista musical terá, pois, sido esta a contradança que se expandiu depois para toda a Europa, vindo a conhecer enorme fortuna.

Em Espanha, já no século XVIII ela se mostrava perfeitamente implantada, como amplamente nos informa Aurelio Capmany, Folklore y Costumbres de España. Curt Sachs dá 1714 como sendo o ano da entrada da contradança em Espanha. (...)

Em Portugal, sabe-se que já nos princípios do século XVIII se dançava a contradança, desconhecendo-se porém se foi introduzida pelas colónias de ingleses cá implantados, sobretudo no Norte, se por outras vias. Tem-se indicado a colónia inglesa do Porto como responsável por essa introdução. Saliente-se, a este respeito, a notícia, que nos é fornecida por Arthur William Costigan, da existência, em 1779, de contradanças nos salões de um nobre português residente no Porto e que «conhece muitos ingleses». Das nossas recolhas musicais por todo o país, podemos dizer que, a nível popular, a província que ainda hoje mantém com maior vitalidade o cultivo da contradança e das quadrilhas é o Douro Litoral.

A mais antiga notícia da presença da contradança em Portugal parece ser a do Pe. Leite da Costa, em Desempenho Festivo, ao descrever as festas do Corpo de Deus em Braga no ano de 1729: «...dando da mesma sorte fim a cada jornada, com os bayles que por novidade davam fim com uma alegre contradansa».
De um pouco mais tarde, 14 de Setembro de 1743, é a citação do «Folheto de Lisboa» que nos oferece Júlio Dantas: a folha noticia terem os sinos do carrilhão de Nossa Senhora do Loreto tocado minuetes e contradanças «com grande harmonia». Trata-se de uma importante informação, porquanto dela se depreende que o minuete e a contradança eram as danças mais apreciadas pela sociedade da altura. No mesmo sentido, Armando Leça transcreve extractos de um folheto de cordel do século XVIII que, entre outras danças em voga como o minuete e o lundum, nomeia a contradança.

Em 1761, foi editado em Lisboa o Methodo ou Explicaçam para Aprender com Perfeição a Dançar as Contradanças, da autoria de Júlio Severim Pontezze, e dedicado aos assinantes da casa da Assembleia do Bairro Alto. Já nos finais do século XVIII, em 1795, é publicado o Estudo da Guitarra, de António da Silva Leite, que transcreve partituras de várias contradanças, a par de minuetes, marchas e outras peças de menos relevo. (...)

Em 1858, António Maria da Cunha Sotto Mayor, em sua Physiologia do Saloio, refere expressamente: «Antigamente (os saloios) só dançavam contradanças inglesas com tais voltas que quem não estivesse ensaiado tinha certo desconjuntar um braço: hoje já invadiram o reportório francês...», falando seguidamente nas valsas e nas polcas. Este informe, prestado por alguém que tinha uma residência em Igreja Nova, Mafra, e que foi administrador do concelho de Sintra, reveste-se de importância a vários níveis: por referir que as contradanças dos saloios eram inglesas, por confirmar ser a penetração da contradança nos costumes bailatórios do nosso povo anterior à das valsas e polcas e por, assim, certificar que, em meados do século passado, o enraizamento da contradança entre os saloios de Mafra e Sintra, já era «antigo».

A importância que a contradança assumiu em Portugal é confirmada por Ernesto Vieira, que nos diz em 1890, no seu Diccionário Musical, que ela é «uma das dansas mais usadas actualmente». Já no nosso século, acabou por ser esquecida, nos meios da burguesia e citadinos em geral, na voragem dos ritmos que desde os anos 20 e sobretudo no pós-guerra avassalaram a Europa.

Já o mesmo se não dirá em relação ao povo rural, que conservou até hoje a contradança um pouco por todo o país, mas sobretudo no Douro Litoral como dissemos. No Alto Alentejo, concelho de Elvas, por exemplo, o povo das aldeias continuava dançando a contradança «marcada à francesa» no princípio deste século, como nos conta José da Silva Picão, a p. 201 do seu valioso trabalho Através dos Campos. O mesmo apurámos no concelho de Avis, em recolha aí realizada.

A subsistência da contradança nos meios rurais é desde logo visível na própria designação, mas também, quando ela se perdeu, nos esquemas rítmicos de muitos bailes populares. O compasso binário é uma constante das contradanças através dos tempos e Sampayo Ribeiro assinala até que o aparecimento da contradança reimplantou os ritmos binários nos meios rústicos, onde desde o século XVI imperavam os ternários.

A popularidade e a expansão da contradança no nosso meio rural foram enormes, a avaliar pelos vestígios que ainda dela permanecem por todo o país e pela sua utilização em várias funções. Com efeito, além da função estritamente bailatória, a contradança, pela importância que assumiu entre o povo, passou também a ser usada como acompanhante de cortejos e de algumas outras manifestações, como [no caso das] músicas do Entrudo.

Figuras da Contradança portuguesa executadas pelo Baile do Entrudo do Casalinho das Oliveiras, Lourinhã, 1999.

Ainda hoje em Olho Marinho, Óbidos, no penúltimo domingo de Agosto, na festa local do Imaculado Coração de Maria, se canta vibrantemente pelas ruas da aldeia a «Moda do Balão», que nada mais é que uma contradança. À noite, o povo junta-se no cimo da aldeia e forma-se um cortejo encabeçado pela mocidade solteira, rapazes e raparigas que empunham archotes uns, outros arcos e paus com balões no alto, iluminados a velas. Logo após, vem a banda filarmónica tocando a moda, seguida do restante povo cantando. Não há muitos anos, em vez da banda filarmónica, o suporte instrumental era garantido por um pequeno conjunto de amadores locais, constituído por violão, bandolim e flauta, cujos elementos conseguimos aliás gravar.

A principal função da contradança nos meios rurais, ainda há poucos decénios, era porém a de servir para os bailes populares ao longo de todo o ano, como as restantes danças. Muito embora tenhamos colhido informações e notícias sobre a contradança por toda a província, só dela efectuámos gravação nos concelhos de Caldas da Rainha (Casais Chiote, Cruzes, Relvas, Casal Valinho), Óbidos (Olho Marinho), Lourinhã (Pinhoa e Seixal), Torres Vedras (Monte Redondo), Alenquer (Casal da Grila), Mafra (Lagoa e Sobreiro) e Sintra (Belas), num total de catorze exemplares. Note-se que, não contando com as danças de roda (que pela sua ancestralidade, universalidade e singeleza coreográfica formam uma espécie à parte, como dissemos), a contradança, como procurámos mostrar pelo esboço histórico que acima traçámos, é, a par do fandango, a mais antiga dança popular das que colhemos na Estremadura.

Em Miragaia, Lourinhã, a contradança bailou-se até aos anos 40, com a seguinte coreografia: formam-se pares em número múltiplo de quatro. Oito, doze, ou dezasseis pares no máximo, porque a sala não dava para mais. Grande roda, todos voltados para dentro e com as mãos dadas. Ao grito «Balancé!», soltado pelo mandador, os rapazes começam a girar num sentido e as raparigas noutro, passando uns pelos outros em cadeia, isto é, «a fazer oitos». A nova ordem do mandador, «Contrabancé!», muda-se o sentido de movimentação, passando rapazes e raparigas a girar, sempre em cadeia, nos sentidos contrários aos que vinham praticando, até de novo alcançarem o par inicial.

Sempre ao sabor da música, assegurada pelo harmónio que o povo expressamente comprara para o velho Franklin e pelos garfos nas garrafas, o corifeu dava outra voz: «Ao centro!». Era altura de os rapazes irem ao centro, ouvindo então de novo o mandador gritar «Arrié!», após o que regressavam à roda, para serem de seguida as raparigas a irem ao centro e voltarem. Depois, formam em grupos de quatro (dois pares), que passam a evoluir só entre si, fazendo várias figuras e passos, entre os quais arcos com as mãos e trocas de pares, com passagem em cruz, ao som das sucessivas vozes do mandador, como «Passé!», «Classe!» e, por fim «Aos seus lugares!» altura em que tornam a formar a roda grande, de mãos dadas, recomeçando a coreografia.

Para além de nos fornecer uma ideia do desenvolvido desenho coreográfico da contradança, esta informação, que nos foi prestada pelo antigo mandador da aldeia, traz de interessante as vozes do próprio mandador, quase todas corruptelas ou mesmo palavras francesas («arrié» por arrière, «passé» por passez, ou «classe», em que ele incita os dançadores a terem elegância nos passos). Significa isto que esta dança terá sido captada, no caso concreto do povo desta aldeia, de intérpretes franceses.

Tudo indica estarmos perante uma reminiscência do que, no século XIX, se chamou quadrilha ou contradança francesa, que era, segundo Curt Sachs, uma contradança de quatro pares.

Em Miragaia, tal como aliás na vizinha Marteleira, hoje freguesia, também costumava a contradança ser utilizada, no Entrudo, em cortejo que a mocidade organizava e que corria até às aldeias ao redor: Ribeira de Palheiros e Campelos, no Domingo Gordo; Toxofal e Sobral na segunda-feira; sendo a Terça-Feira Gorda reservada para a exibição do grupo na sua própria terra. Consistia a manifestação fundamentalmente na dança das fitas, trajando todos, incluindo os dançadores, «à domingueira». Coreograficamente, postavam-se alternadamente rapazes e raparigas, cada um segurando sua fita. O primeiro movimento era igual ao que acima descrevemos também como inicial: rapazes e raparigas passam uns pelos outros em cadeia, o que aqui resultava no entrelaçamento das fitas no mastro situado ao centro. Depois, no movimento inverso, as fitas desenlaçavam-se do mastro e acabava a contradança. Em alternativa às fitas, podiam apresentar, também nestes cortejos de Entrudo, a contradança dos arcos. As raparigas faziam e armavam previamente uns arcos, com papel e verduras. Depois, na dança, cada par empunhava um arco. Faziam uma roda grande e os arcos passavam entre si, em cadeia, realizando em seguida o movimento contrário.
Voltar ao Topo José Alberto Sardinha

 

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