Irlanda
A Música na Alma de um Povo
Por João MaiaA música Irlandesa representa, hoje, um grande fascínio junto do
público e é, a par disso, uma das culturas musicais de raiz tradicional mais difundidas
pelo mundo fora. Talvez por isso, e porque a tradição é algo que evolui no
tempo, optámos por apresentar neste texto uma visão da música Irlandesa tal como ela é
nos nossos dias, falando muitas vezes de alguns ícones que são, seguramente,
percussores de uma velha e nova tradição musical.
Introdução
Quando
se fala em música irlandesa, qualquer pessoa que acompanhe minimamente o panorama musical
das últimas décadas imediatamente consegue citar nomes como os U2, Cranberries, Sinead
OConnor, Van Morrison, Pogues e, mais recentemente os Corrs. Com efeito, a maior
parte das pessoas associa a música irlandesa aos nomes referidos acima e a outros mais
comerciais. Porém qualquer dos músicos mencionados tem como referência outro tipo de
música irlandesa mais escondido do público em geral: a música tradicional. Aquela que
se faz nos pubs, espontaneamente, quando se juntam três ou quatro amigos que tocam
instrumentos como o violino, o bodhran (tambor irlandês, pronuncia-se baurón), a flauta,
ou a guitarra. E têm razão, esses músicos consagrados, ao irem beber da rica fonte que
é a música tradicional uma vez que a Irlanda (a ilha, não o país) é das poucas
regiões do mundo que se podem orgulhar de terem uma tradição musical que sirva tão bem
de espelho para a cultura dessa própria região. É difícil ouvir uma canção
tradicional irlandesa sem se conseguir aprender nada sobre a história e a cultura dessa
ilha. Mas o que é no fundo a música tradicional irlandesa?
Pode-se começar por dizer o que não é música tradicional irlandesa. Hoje em dia
aparecem muitas obras que se intitulam irlandesas ou célticas mas que pouco têm a ver
com a tradição. Esqueçam-se as imagens comuns de donzelas a tocar harpa num ambiente
medieval, ou sons de flauta acompanhados por sons atmosféricos de sintetizadores. Nada
disso é tradição. Aliás, salvo raras excepções, um bom indicador de que se está
perante um disco que não é de música tradicional é um título onde surja a palavra
Celtic. Esta palavra tem sido usada em várias compilações para chamar a
atenção do público e para vender mais discos, mas estes, na sua maioria, não passam do
que se designa por new-age. Isto apesar de alguns músicos irlandeses terem eles próprios
passado para um som mais new-age. É o caso dos irmãos Michael O Dhomnaill e Triona
Ni Dhomnaill, membros daquela que foi uma das bandas mais representativas da musica
irlandesa, os Bothy Band, e que agora fazem música new-age com um toque irlandês nos
Nightnoise.
Relativamente à verdadeira música tradicional irlandesa, a primeira coisa a dizer é
que, na sua grande maioria é feita para dançar. Jigs, reels e slip jigs são tipos de
música que, pelo seu ritmo se prestam a um pezinho de dança. Existem depois outros tipos
como as slow airs e laments que têm um ritmo mais calmo, e as canções (em gaélico ou
inglês), que variam em ritmo mas que pretendem quase sempre contar alguma história
perdida algures na Irlanda rural.
Quanto aos instrumentos utilizados, é comum encontrarmos em sessões nos pubs
instrumentos como o violino, flautas, guitarras ou bandolins, bodhrans, e acordeões ou
concertinas. Menos comum será talvez a gaita irlandesa (uillean pipe) pelo grau de
dificuldade que apresenta na sua execução, e a harpa pela pouca portabilidade. Outro
instrumento muito utilizado ultimamente, e que foi importado da tradição grega pelo
mestre Donal Lunny (ex-Planxty, ex-Bothy Band), é o bouzouki (instrumento de cordas da
família dos bandolins, com um braço mais comprido).
Mas embora parte da música tradicional irlandesa já exista há alguns séculos, o
fascínio actual pela música irlandesa, em particular pela cantada em gaélico, foi
reavivado apenas nos anos 60 quando um compositor-musicólogo de nome Sean O Riada
começou a revitalizar a tradição. Até então, a música em gaélico havia-se perdido
em pequenos enclaves no noroeste da ilha (denominados gaeltachts) habitados por irlandeses
cuja primeira língua é o gaélico. ORiada também salvou a harpa irlandesa do
esquecimento, e reintrodoziu o bodhran nos agrupamentos tradicionais. O seu grupo tinha o
nome de Ceoltoiri Chualann e dele faziam parte alguns elementos nucleares daquele que hoje
é considerado o mais representativo grupo tradicional irlandês: os Chieftains. Quando
terminou a sua curta vida, ORiada tinha conseguido resgatar a alma de um povo e a
sua morte foi chorada na ilha inteira.
Fontes: What is Irish Traditional Music de Christina Roden, disponível
em www.rootsworld.com,
Discografias: www.allmusic.com