As Tradições
Musicais em
Terras de Miranda
Texto Fornecido por: Sons da TerraMiranda do Douro não é
apenas uma recordação do passado, a finisterra do nordeste trasmontano, sendo antes um
dos lugares mais singulares de Portugal.
A Terra de Miranda possui um vastíssimo património cultural que se distinguiu do resto
do país pela implantação de diferentes culturas, interacção com os povos vizinhos e
pelo isolamento a que (até à relativamente pouco tempo) foi votada.
De referir é o facto de o folclore mirandês ser internacionalmente conhecido mercê de
uma divulgação feita a partir de 1898, ano em que os Pauliteiros se apresentaram perante
o rei D. Carlos I e a ~ daí deram início à distracção de populações distantes como
novidade e curiosidade folclórica e coreográfica. Deste modo, podemos afirmar, sem
grandes pretensões, que ofolclore mirandês é conhecido em todos os continentes.
No universo do Cancioneiro Mirandês encontramos canções e melodias para quase todo o
tipo de actividades da vivência do quotidiano, dentro do contexto da cultura mirandesa.
Estas canções e melodias são designadas por modas, segundo a tenninologia que os
Mirandeses usam para de forma abrangente poderem referendar tudo aquilo que tem forma
musical.
A música mirandesa não se confina apenas ao acompanhamento da dança dos paus, ela é
utilizada nas mais variadas situações. Antigamente, acompanhava os actos religiosos tais
como a missa, nas suas diferentes partes e especialmente na consagração e na procissão
com os pauliteiros, mas esta participação foi abolida em 18 de Dezembro de 1755 por uma
carta pastoral de D. Aleixo de Miranda Henriques, 23' bispo da diocese de
Bragança-Miranda, proibindo que ... da porta da egreja para dentro não toque nenhum
gaiteiro ou gaita ... com o pretexto de que distraía os fiéis; ultimamente os Locadores
tem retomado o seu lugar no acompanhamento das procissões. Do mesmo modo os Locadores
contribuíam para a animação das festas de rua, começando de madrugada muito antes de
nascer o sol com a alvorada que substituía o galo em dias de festa. Noutros aspectos da
vida quotidiana, os pastores eram também criadores de música (dentro do seu estilo),
enquanto acompanhavam os rebanhos ao longo das pastagens do planalto mirandês.
Existe grande tradição musical (vocal e instrumental) que de certa forma servia de
distracção, no trabalho e nos tempos livres. Quanto à música instrumental, esta
perde-se na origem dos tempos e aparece muito ligada com a música que se fazia no
território de Castilla y Léon que hoje é espanhol. Tal como na Galiza, em Miranda era
também muito usada a gaita de fole que é distinta da gaita de fole galega.
Em relação à gaita de fole e, à flauta pastoril estes instrumentos são totalmente
concebidos com materiais existentes na região do planalto mirandês. A gaita de fole
mirandesa tem dimensões próprias (sendo maior que a gaita de fole galega), a pele de
cabrito de que é feito o fole é simplesmente virada ao contrário e atada aos tubos de
madeira (ronca ou bordão, ponteira de secção cónica com orifícios onde se executa a
melodia e tubo insuflador).
Os paus da ronca e dapunteira são de freixo fêmea, que dá uma madeira mais
dura. Para que seja possível conseguir a polifonia por simpatia entre as duas fontes
sonoras da gaita, o ronca está afinado duas oitavas abaixo da nota pedal da ponteira, que
entoa uma escala modal de mais de dez notas. A gaita de fole mirandesa possui uma
potência sonora superior à galega e um timbre mais grave e aveludado. Este instrumento
era geralmente feiro pelo próprio tocador que era normalmente pastor, e enquanto guardava
as ovelhas tinha todo o tempo para se aperfeiçoar no toque e melhorar o próprio
instrumento, os enfeites eram depois feitos de fios de lã ou seda por alguma tecedeira.
As características essenciais prendem-se com a fonna de construção: o tamanho da gaita
de fole mirandesa é maior- a escla não é temperada comoacontece nos instrumentos
clássicos; os acabamentos são mais rudes.
Como instrumento melódico era também usada a flauta pastoril, tocada diariamente pelos
pastores. E era feita de um tubo de madeira com três orifícios somente e a escala
diatónica conseguido através de harmónicos. A flauta tem um bisel normal e a sua
secçao e um tubo cónico e estreito, sendo o seu diâmetro junto ao bisel maior que na
extremidade da flauta, ao contrário da ponteira da gaita de fole.
Para o acompanhamento rítmico era usado o pandeiro quadrangular, rectangular ou em
losângulo que estava quase sempre presente quando se fazia música. As conchas de
Santiago eram usadas para produzir um som similar ao do reco-reco, mas mais agudo, quando
roçadas uma na outra (o nome é resultante dos romeiros que peregrinavam a Santiago e
usavam este tipo de conchas como simbologia própria).
As castanholas, de influência castelhana, faziam também parte da percussão,
usadas tanto pelos pauliteiros nas suas danças como pelos contadores e dançadores nas
danças mistas. Era também usada a pandeireta com pele de cabra para ser possível
conseguir o efeito de rufo. Os paus usados pelos pauliteiros servem também de instrumento
de percussão, pois as batidas dadas entre os dançadores são feitas ao ritmo cadenciado
da música.
A caixa de guerra era usada essencialmente no acompanhamento da gaita de fole para fazer
sobressair os movimentos rítmicos da música. Este instrumento era feito à imagem das
antigas caixas de guerra, com o corpo em metal ou madeira, os aros em madeira e com pele
de cabrito, o bordão feito de tripa de cabra e o aperto feito por grampos de metal ou por
cordas. Estas caixas tinham aproximadamente as seguintes dimensões: 30 cms de diâmetro e
22 cms na altura.
Para a marcação do ritmo era usado o bombo bimembranofone tal como a caixa e o
pandeiro. O corpo de fabrico artesanal era feito pelos latoeiros, as peles eram de cabra,
e o aperto feito através de cordas. Estes bombos eram de grandes dimensões variando de
construtor para construtor.