Torres Vedras
|
Recolhas de José Alberto
Sardinha
Exemplos Musicais da
região de Torres VedrasApresentamos aqui seis
fonogramas e as respectivas anotações realizadas por José Alberto Sardinha na região
de Torres Vedras, entre os anos de 1984 e 1988. Esta informação foi obtida a partir do
Site da Câmara
Municipal de Torres Vedras, o qual dedica uma secção à etnografia da região.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Aboio
271kb (02:12)
Torres Vedras, Casal da Portela, 1984
António André dos Santos
A sagrada tarefa de dar vida à Natureza e arrancar da terra o pão era, para o
homem do campo, ainda não há muito tempo, indissociável da preciosa ajuda dos bondosos
bois da lavoura. Hoje quase totalmente substituídos pelos tractores, eram esses possantes
animais que rasgavam a terra nos duros alqueives do Verão ou nas outonais lavoeiras, que
grada- vam, derregavam e por fim salmejavam o cereal da terra para a eira. Cantar ao gado
durante essas fainas foi-e é ainda, nos raros locais onde os bois continuam esven- trando
a terra - usança corrente por todo o país, com o objectivo de orientar e minorar o
esforço dos animais na labuta, ajudando também a suavizar o trabalho do abegão e a
estabelecer uma relação estranha e curiosa entre o humano e a alimária.
Situado numa zona litoral onde ainda subsistem arcaísmos próprios das velhas
tradições de antanho, foi no Casal da Portela que colhemos ao vivo o aboio compendiado,
durante uma lavoeira com duas juntas de bois. A ancestralidade da melopeia é quiçá tão
manifesta no seu modalismo arcaizante, como na expressividade interpretativa alcançada
por exemplo nos "parlandos" dos incitamentos ao gado ou na descida final em
portamentos de efeito interessantíssimo, como ainda, em geral, na força telúrica que do
canto se desprende, tudo característico destes "cantos de ar livre", reputados
como os mais primitivos na música tradicional.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Corridinho
257kb (02:05)
Torres Vedras. 1985
Gaita-de-foles: Joaquim Roque
Camponês de Torres Vedras (segundo gravura inglesa de 1809) |
Nas festividades carnavalescas de Torres Vedras, que têm sabido manter algum do
tradicional modo português de celebrar o Entrudo é usual a associação de um ou
dois gaiteiros da região com um conjunto de bombos originário de Amarante e adrede
contratado.
Camponês de Torres Vedras (segundo
gravura inglesa de 1809) |
Desde cedo que percorrem as artérias da cidade, em arruada alegre e festiva.
seguidos por numeroso grupo de cabeçudos, facetos e saltarilhantes, divertindo a
pequenada e criando um ambiente geral de algazarra e de convite à folia.
No exemplo colhido, foi um corridinho, dança caracteristica do centro e sul de
Portugal, que serviu de pretexto ao recreio e que, nesta circunstância, não é
obviamente dançado como nos "balhos" de aldeia, onde o toque da gaita-de-foles
visava uma função estritamente bailatória.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Bailarico
Torres Vedras, Colaria, 1987
Flauta de cana: Alberto Ribeiro
De singela coreografia, o bailarico é outra das danças mais difundidas em todo
o país estremenho, conhecendo especial favor na região de Mafra e Torres Vedras, como
já assinalou Tomaz Ribas e tivemos a oportunidade de confirmar. Rodney Gallop, em
"Portugal - a book of folk ways", fls. 206, associa mesmo a dança do bailarico
à província da Estremadura. Não obstante os seus 73 janeiros, o tocador da Colaria
conseguiu imprimir uma vivacidade assinalável à interpretação que aqui registamos,
sendo que os poucos lapsos no sopro se ficarão a dever menos à falta de fôlego que ao
primitivismo do instrumento.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Valsa de dois passos
Torres Vedras, Maxial, 1988
Banjo: Joaquim Carvalho Violão: Silvério da Silva
Assim chamada por começar com dois passos para fora e outros dois para dentro
da roda, a valsa de dois passos é outra das danças preferidas das gentes estremenhas. No
Maxial, é bailada duma forma agitada e álacre, com os pares pulando, agarrados, à
medida que vão evoluindo em círculo.
O informante Joaquim Carvalho, um virtuoso na interpretação, bem como o seu
acompanhante, tocaram durante os anos 40 e 50 num conjunto instrumental que corria a
região animando os bailes populares e que era constituído por violas, banjos, bandola e
violino (por vezes também saxofone e acórdeão). Esta espécie de tuna entrou em
declínio e cessou funções por volta de 1965.
Os dois informadores, que aliás são sobrinho e tio e moram em frente um do
outro, ainda hoje mantêm, porém, o saudável hábito de se reunirem e tocarem as modas
antigas por simples prazer e amor à música. Um vizinho que gosta de os ouvir tocar,
acompanhou os neste trecho com batidas da palma de uma das mãos contra a outra, fechada
em forma de tubo acústico.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
XOTIÇA
Torres Vedras, Maxial, 1988
Palheta: Silvério da Silva
Após ter-mo-lo conhecido em Mafra, viemos encontrar o versátil tocador
Silvério da Silva anos depois, no Maxial, Torres Vedras, sua terra natal, para onde
regressara depois de reformado da profissão de oleiro.
A palheta que aqui toca ("gaitinha" como Ihe chama) é dos mais primitivos
instrumentos musicais, sendo mesmo associada com as primícias da produção dos sons, já
por informante, ele mesmo, a confeccionou (caniços apenas), já enfim pelo princípio
acústico que preside à obtenção do som, ou seja, a vibração do ar com a sua própria
passagem pela lamela que o construtor rasgou no mais fino dos caniços, que é justamente
o que o tocador introduz na boca (v. fotografia).
A despeito da complexidade da melodia e da rudeza do instrumento, a que se fica a dever
alguns menos acertos de notas, o tocador obtém uma interpretação vibrante e graciosa.
Forma-se mesmo um ambiente sonoro bem curioso entre uma dança galante (xotiça é
corruptela de scotish, dança europeia tão em voga no Portugal oitocentista) e a aspereza
do rudimentar instrumento.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Rimance da Vitorina
Torres Vedras, Murteira, 1985
Rafael Gomes
Notoriamente truncado nalgumas passagens, man- tendo embora o essencial da
narração dramática, como sucede frequentemente neste género tradi- cional, num
processo de supressão e condensação compara ao da biologia, este rimance, aqui chamado
da Vitorina e noutros locais da Mineta, é vulgarmente conhecido por rimance do cego, e
tem por tema a sedução de uma aldeã por um fingido cego, que é, afinal, senhor de alta
hierarquia.
Almeida Garrett, no seu "Romanceiro", dá-nos deste rimance
curiosamente uma variante da Estremadura, enquanto J. Leite de Vasconcelos nos fornece
lições do Minho, Douro e Trás-dos Montes; e Teófilo Braga apresenta versões do Minho,
Beira Baixa, Alentejo, Algarve, Madeira, Açores, Brasil e Galiza. Vertido em modo menor,
este rimance faz parte do repertório que o informador tinha o costume de cantar nos
intervalos dos bailes rústicos, enquanto os dançadores descansavam da faina bailatória.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
|