Quadro "Fado Azul" de Márcio Melo |
Fado
Canções que viajam pelo MarOs
portos de mar sempre foram locais de partida e chegada de pessoas e mercadorias. Mas nos
barcos também vinham as culturas e nas cidades portuárias fez-se a sua miscigenação.
Ao longo de séculos, os barcos foram transportando, de porto em porto, traços culturais
que criaram as raízes da primeira globalização. Profundamente ligado à vida marítima
e à actividade portuária aparece também o fado.
Assim, o fado enquanto expressão de música popular característica e original de Lisboa
será inserido no conjunto mais vasto das manifestações culturais com traços
semelhantes nascidas em cidades onde também existe uma ligação profunda ao mar. A
importância do processo de intercâmbio cultural será uma constante do Festival que se
realizará todos os anos, em Fevereiro. A primeira edição do Lisboa Fado Festival
decorrerá no ano 2000.
Três séculos de música transcultural
No século XVIII, criou-se no Brasil um cruzamento de três continentes. O resultado
apareceu sob a forma de manifestações culturais novas, que integravam a Europa, a
África e a América. A componente africana foi levada pelos escravos negros. A esta
misturaram-se traços das culturas ameríndias pré-existentes no Brasil. A cultura do
colonizador europeu, pelo seu lado, contribuiu com as tradições rurais portuguesas e com
o barroco. Acrescia ainda o intercâmbio resultante dos contactos portuários que ligavam
a Índia, a Ásia e a África. De tudo isto resultaram expressões como as modinhas e o
lundum.
No início do século XIX, a corte portuguesa refugiou-se no Brasil na sequência das
invasões francesas. O fado passou a integrar influências dos ritmos brasileiros em
intercomunicação com a poesia nascida nos bairros populares de Lisboa. Foi também por
esta altura que a guitarra de 12 cordas, introduzida pela colónia britânica residente na
cidade do Porto, passou a acompanhar o fado. A relação entre a voz e o instrumento
passou a ser directa, com o estilo vocal a tornar-se muito expressivo e a equilibrar as
deficiências do vocabulário popular.
No século XX, o fado fez a sua estreia no teatro musical e na rádio.
O fado das tabernas resistiu às luzes do salão. Mas em 1927 surgiu regulamentação que
obrigava à posse de carteira profissional para se cantar em público. Mais tarde, o fado
projectou-se internacionalmente como a canção nacional. O fado ganhou espaço na
literatura, no cinema e na indústria discográfica, adquirindo uma dimensão nova. Mas
permaneceu como expressão musical profundamente relacionada com outras manifestações
culturais de cidades portuárias, o que exprime uma relação muito antiga de trocas
culturais. Este facto dá ao fado um destaque especial na era da globalização.
A alma dos portugueses
O fado não é apenas uma canção acompanhada à guitarra. É a
própria alma do povo português. Ouvindo as palavras de cada fado pode sentir-se a
presença do mar, a vida dos marinheiros e pescadores, as ruelas e becos de Lisboa, as
despedidas, o infortúnio e a saudade. A grande companheira do fado é a guitarra
portuguesa. Juntos, fado e guitarra, contam a essência de uma história ligada ao mar.
O fado, por ser de todos os portugueses, está na taberna e no salão aristocrático.
Surgido na primeira metade do século passado, depressa se tornou na canção popular de
Lisboa. Desde então, manteve sempre as sua características de expressão de sentimentos
associados à fatalidade do destino. O fado está marcado pelo phatos das tragédias da
Grécia clássica.
A canção emblemática de Lisboa é também indissociável dos seus bairros mais
típicos. Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa são os seus mais autênticos berços.
Por esta razão, ouvir o fado é conhecer Lisboa. É também conhecer os portugueses, no
mais profundo da sua alma de povo que enfrentou o mar desconhecido.
E, por ser uma canção nacional, o fado está igualmente marcado pelo atracção que a
aristocracia boémia sentiu pela ruas e vielas de Lisboa, pelas tabernas e pelas mulheres.
O fado foi partilhado por fidalgos, por vadios e por marinheiros. No regresso ao salão
aristocrata, trouxeram o fado para que fosse acompanhado ao piano.
A companheira do fado
A guitarra portuguesa é a grande companheira do fado. A sua
origem remonta ao cistro surgido na França e na Itália do Renascimento.
O cistro viajou desde o século XVI pela Alemanha e pela Inglaterra, tendo sido
intro-duzido em Portugal pela colónia britânica radicada na cidade do Porto.
Abandonada nos outros países europeus, a guitarra adaptou-se e criou raízes em Portugal.
A sua evolução deu-lhe características próprias, passando a ser designada por guitarra
portuguesa.
|