| O Entrudo
A Tradição em Trás-os-MontesAinda
resistem em Portugal algumas celebrações do Entrudo que mantêm a sua singularidade, de
acordo com as nossas tradições. Em Trás-os-Montes contam-se pelo menos três: Lazarim,
Vinhais e Podence.
Em Lazarim, o Entrudo é uma festa local, quase privada, cuidadosamente preparada nas
semanas que a antecedem. O ponto alto é a leitura pública das «deixadas», testamentos
que dividem simbolicamente um burro pelos rapazes e raparigas da aldeia. Jocosas,
trocistas e irónicas, são preparadas em segredo pelos mais novos, que muitas vezes
recorrem à sabedoria e conhecimento dos mais velhos, repetindo a tradição. Os
testamentos são ouvidos em silêncio pelos mascarados para não serem reconhecidos pelas
vítimas das suas diabruras.
Mas a festa não fica completa sem o Desfile de Caretos, o Concurso de Máscaras (feitas
em madeira pelos artesãos locais) e a Queima dos Compadres - o compadre e a comadre, dois
bonifrates carregados de pólvora e que, na terça-feira, põem ponto final à festa e à
rivalidade que durante várias semanas opôs rapazes e raparigas.
Fundamentais são também as refeições cerimoniais à base de carne de porco, que marcam
o início do período de abstinência da Quaresma.
Se o discurso jocoso e a troça pública marcam o momento mais significativo do ritual
carnavalesco de Lazarim, em Vinhais e Podence é o movimento e a acção endiabrada dos
mascarados que predomina.
A acção dos diabos de Vinhais já não produz hoje os efeitos temidos de outrora, quando
as raparigas não se atreviam a sair à rua. O ritual de punição e correrias pelas ruas
da vila é hoje uma manifestação tímida e cada vez mais incerta, com não mais do que
uma dezena de mascarados.
Mas, em Podence, pequena aldeia situada a poucos quilometros de Macedo de Cavaleiros, a
tradição está de boa saúde e conserva ainda uma boa parte da licenciosidade
«selvagem» que sempre a caracterizou.
Os dias grandes da festa são o Domingo Gordo e Terça-feira de Carnaval e os Caretos só
param para matar a sede ou para combinarem mais uma investida sobre o Largo da Capela, a
pequena praça da aldeia onde todos assistem ao ritual.
Às iras dos Caretos endiabrados ninguém se atreve a opôr-se. Apenas as Matrafonas
(raparigas disfarçadas de homens e vice-versa) são poupadas à sumária justiça
carnavalesca, assaz singular no caso da aldeia transmontana: os demónios mascarados
lançam-se ao assalto das moças e encostando-se a elas, ensaiam uma dança um tanto
erótica, agitando a cintura e fazendo embater os chocalhos que trazem pendurados contra
as ancas das vítimas.
Na investida bárbara que faz ecoar por toda a aldeia o alarido dos chocalhos e o tropel
surdos dos passos, os Caretos levam tudo pela frente, indistintamente. Por detrás da
máscara de latão os olhos procuram muitas vezes as moças mais apetecidas, quer sejam da
terra ou de fora, para o sacrifício. Não conhecem entraves ou proibições: subir às
varandas, trepar aos telhados ou correr pelo Largo da Capela. Tudo vale para «chocalhar»
e misturar o tilintar dos chocalhos com os risos das raparigas.
Na Terça-feira Gorda, a aldeia mergulhará novamente numa vertigem de correrias e
travessuras que só terminarão com o cair da noite e com o cansaço dos demónios de
fatos de franjas de cores vivas.
|