Livros
Música Popular Portuguesa: Uma Bibliografia
Introdução
Por: Viriato Teles
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. . . . . . . . . . .A bibliografia
seleccionada e as fichas de leitura apresentadas não pretendem ser uma selecção
exaustiva, mas sim um conjunto de referências que permitam compreender a música popular
Portuguesa, no seu sentido Tradicional e Conteporâneo.
Não é nossa pretensão enumerar neste caderno todos os títulos que integram a
bibliografia dedicada à Música Popular Portuguesa a qual, tomada no seu sentido
mais amplo, já abrange algumas largas dezenas de títulos.
A escolha dos livros referenciados em fichas próprias não foi exaustiva, como
tão pouco o será a bibliografia geral que surge em complemento das notas de leitura e em
que se procurou fazer um levantamento tão completo quanto possível das obras existentes
e, de algum modo, referenciadas com o género, aqui entendido de modo amplo como uma
grande área em que cabem os livros dedicados a aspectos gerais ou específicos da música
tradicional portuguesa juntamente com aqueles que têm a ver com as diversas variantes da
música popular portuguesa contemporânea criação da cidade, mais que do campo
e dos sucessivos movimentos que lhe traçam a história, desde o fado de Coimbra
às criações mais recentes de Fausto, Janita Salomé ou Sérgio Godinho, passando por
outras vertentes daquilo que, nos nossos dias, integra o nosso universo telúrico-musical,
como o fado de Lisboa onde hoje pontificam os nomes Mafalda Arnauth, Cristina
Branco ou Dulce Pontes, a par de notáveis renovadores do género, como Carlos do Carmo. E
José Mário Branco, responsável pelas encenações musicais dos três discos de Camané,
a mais segura referência masculina da nova geração fadista.
O trabalho de consulta de fontes e recolha de elementos levou-nos a descobrir
outros documentos interessantes, alheios a este tema, mas envolvendo alguns dos seus
protagonistas. Serão eventualmente curiosos do ponto de vista historiográfico, ainda que
marginais ao processo criativo dos seus co-autores. É o caso do folheto intitulado
Programa de candidatura à direcção da UEPF (União dos Emigrantes Portugueses em
França), subscrito por José Mário Branco, juntamente com Fernando da Conceição
Medeiros, Francisco José Alves, Vítor Manuel Moreira e Fernando Pereira de Medeiros, que
o fizeram editar em Paris no ano de 1965. Ou do não menos curioso volume publicado pela
Afrontamento, do Porto, em 1973: Uma farsa eleitoral O caso do Sindicato
Metalúrgico de Aveiro: peças de um processo judicial. Os autores, segundo o registo da
Biblioteca Nacional, são nada menos que Mário Brochado Coelho e... José Afonso.
O método adoptado para a primeira parte deste opúsculo exigia a selecção, e
por consequência a exclusão, de títulos que, mais do que provavelmente, deveriam
figurar neste rol uma debilidade que procurámos colmatar com o alargamento da
bibliografia geral a todos os livros directa ou indirectamente relacionados com as
diversas vertentes da Música Popular Portuguesa. Pelo apoio recebido, é justo referir os
nomes de Avelino Tavares, Júlio Murraças, Leonor Lains e Manuela Crispim. Todos eles
contribuíram de algum modo para o resultado final, embora não tenham qualquer
responsabilidade sobre eventuais erros cometidos.
Com a exigência dos parâmetros mínimos de rigor que julgamos necessários,
mas tendo consciência das limitações inerentes ao carácter sempre subjectivo de
qualquer apreciação de obra alheia, este caderno assume-se como um possível guia de
leitura tanto para os que pretendam iniciar-se nas artes da música popular como
para os que desejam aprofundar o seu conhecimento deste universo. E, dos livros
existentes, é claro que alguns são referências obrigatórias, outros são
dispensáveis, outros ainda ficam muito longe dos pressupostos anunciados e acabam por nos
dar gato por lebre. O caso mais grave será o de uma provavelmente bem intencionada, mas
desastrosa, tese universitária, que nos merece uma particular atenção
crítica neste caderno pela mais que comprovada falta de critério e de rigor
histórico que lhe era exigida.
Procurámos dar particular atenção aos livros mais recentes ou, pelo menos,
mais acessíveis ao leitor comum. Naturalmente, à semelhança do que acontece com a
generalidade dos livros publicados, o destaque maior deste caderno vai para os
protagonistas dos sucessivos movimentos de renovação da música portuguesa desde os anos
60 onde se evidenciam por mérito próprio os nomes de Adriano Correia de Oliveira,
José Afonso ou Carlos Paredes. Mas não esquecemos as obras sempre referenciais de
Fernando Lopes-Graça ou Armando Leça sobre a essência da música tradicional, nem os
estudos de mestres como Ernesto Veiga de Oliveira ou Michel Giacometti. A inclusão de
alguns títulos pode não ser pacífica como o não serão algumas opiniões expressas,
mas julgo ser sempre preferível a polémica à omissão, que é uma das mais terríveis
formas de reescrita da história.
A inclusão do fado nesta bibliografia levantou algumas questões sobre as quais
talvez valha a pena reflectir. É verdade que o movimento da MPP nasceu da evolução de
um género fadista específico o fado de Coimbra, a que muitos dos seus praticantes
preferem chamar canção de Coimbra, justamente para a distinguir daquilo a
que Lopes-Graça chamava o famigerado fado. E é igualmente inquestionável
que o fado de Lisboa foi, durante o fascismo, elevado pelo SNI de António Ferro à
qualidade de canção nacional um disparate histórico por vezes
justificado com a identificação entre a dolência do fado e a tristeza com que muito boa
gente insiste em pintar a alma portuguesa. Mas o fado não surgiu com Salazar,
e é interessante ver o modo nada pacífico como o regime começou por se relacionar com
esta arte que, em 1936 (durante uma série de conferências promovidas pela Mocidade
Portuguesa, transmitidas pela Emissora Nacional e depois reunidas em livro), era
classificada por um palestrante oficial como uma canção de vencidos um estigma
que não era compatível com a força e a ordem da nação imperial que o Estado Novo
desejava.
Por outro lado, o movimento da MPP caracterizou-se por opções muito claras,
não só no plano estético, como em muitos casos principalmente no plano
ético. A sua acção nunca se ficou pelos horizontes do universo artístico coisa,
aliás, de que gente como Zeca, Adriano, Paredes ou Fausto nunca foi muito praticante. Os
movimentos musicais dos anos 60 e 70 tiveram uma componente social e política, de
dimensão hoje talvez impraticável, mas foi isso que lhe deu a identidade que ainda tem.
Ora isto foi uma coisa que, no fado, só aconteceu de forma marginal com as
honrosas excepções de Carlos do Carmo, José Manuel Osório e poucos mais
Mas a história, já se sabe, não é um processo linear, como não o é a sua
interpretação à medida que nos distanciamos dos factos. E se ninguém hoje pode negar
que o fado foi, institucionalmente, um instrumento do salazarismo, também já só um tolo
poderá pensar que a tal se reduz o seu papel na cultura popular portuguesa. Falar do
fado, quase trinta anos depois da Revolução dos Cravos, deve ser feito como uma
reconstituição serena da memória não para o seu branqueamento, mas dando maior
atenção ao que existe nesta arte de tão autêntico que seja capaz de secundarizar as
circunstâncias que envolveram a sua criação. Não se trata de revalorizar o passado,
mas apenas que conseguir olhá-lo como uma parte do caminho que já percorremos,
reconhecendo agora de forma serena aquilo que apesar de tudo valeu a pena ser feito. E se
continua a ser um facto que Amália, enquanto tal, nunca se envolveu com o movimento da
MPP, também não deixa de ser facilmente constatável que, à luz de qualquer
definição, a sua arte é parte integrante do imenso património popular mais
genuinamente português.
Boa parte das fontes bibliográficas sobre os diversos movimentos musicais que
se desenvolveram a partir de Coimbra e do exílio, com Luís Cília, José Mário
Branco, Sérgio Godinho encontram-se nos jornais. O Diário de Lisboa, com A Mosca,
e o República foram, até ao 25 de Abril, os periódicos que mais atenção deram aos
cantautores. Mas referências imprescindíveis são as revistas Mundo da Canção e
Memória do Elefante, ambas do Porto. Mais vocacionada para a literatura, mas num
comprimento de onda semelhante estava, em Lisboa, a & Etc que haveria de
dar a editora homónima, ainda hoje uma referência da recusa da mediocridade. Algumas
importantes entrevistas com os protagonistas da renovação musical surgiram na Flama, uma
revista de informação geral. O mesmo aconteceu com o Cena 7, suplemento de espectáculos
de A Capital, e com o Comércio do Funchal. E não é possível esquecer o Musicalíssimo,
onde Fernando Assis Pacheco foi, nos anos 70, chefe de redacção funções que
voltaria a desempenhar, uma década depois, no título de maior sucesso da história da
imprensa de espectáculos, o Se7e.
A intenção deste opúsculo não passa pela sua sistematização, mas ainda
assim reunimos, na bibliografia geral, uma breve nota sobre as publicações periódicas
mais significativas para a MPP, ainda que não tenha sido possível incluir as
referências bibliográficas completas de algumas delas. E faltam outras que também
marcaram o seu tempo casos da Rádio & Televisão, Plateia, Tele Semana
mas cuja inclusão aqui não fazia sentido, dada a pouca ou nula divulgação que estes
títulos deram ao movimento da música popular. Mesmo assim, temos consciência de que
haverá outras lacunas neste caderno, que não é um trabalho definitivo, mas antes um
objecto em construção que é como quem diz: para ser riscado, acrescentado,
corrigido, se necessário. E nem vale a pena pedir desculpas antecipadas por qualquer erro
ou falta de educação. Os livros, como os homens, não conseguem ser perfeitos. Mas podem
ajudar-nos a ser melhores.
Amadora, Setembro de 2001
Viriato Teles