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Fado
Katia Guerreiro - Fado
Maior
Por: Rui Vieira NeryO
sinal evidente de que o Fado atravessa hoje um momento de extrema vitalidade está no
facto de a última década ter visto aparecer uma nova geração de intérpretes de
surpreendente qualidade, num espectro muito amplo de estilos e tendências estéticas.
Alguns optam pela procura de uma linguagem de fusão que parte do Fado,
propriamente dito, para estabelecer um diálogo activo com outros géneros
poético?musicas, acabando por conduzir a um produto híbrido que, independentemente dos
seus méritos próprios, se pode já considerar ele mesmo um género autónomo, desligado
do seu ponto de partida. Outros preferem assumir uma relação de continuidade com a
tradição fadista de todo o século XX, marcando?a depois "por dentro", por
assim dizer, através de um estilo interpretativo pessoal que acaba por ser, também ele,
um factor de mudança.
Ambos os casos atestam bem, contudo, de uma alteração significativa da atitude
da juventude portuguesa dos anos 90 relativamente ao Fado, quando comparada com o que
sucedera das décadas de 70 e 80, em que fazia parte de uma cultura dominante nos sectores
mais jovens ? sobretudo nos que tinham uma intervenção política mais activa ? uma certa
recusa da herança fadista como qualquer coisa que viam como intrinsecamente associado ao
Estado Novo. Hoje, estabilizada a sociedade democrática, esta polémica esvaziou?se de
conteúdo e o Fado reaparece como aquilo que, afinal de contas, sempre foi,
independentemente de quaisquer tentativas de manipulação política, e são cada vez mais
os novos fadistas que já nasceram depois do 25 de Abril e que descobrem nesta linguagem
tudo o que ela pode ter de profundamente identitário de um olhar português sobre o
mundo, sobre os outros e sobre nós próprios.
Katia Guerreiro é um destes novos intérpretes surgidos nos últimos anos, e
penso que aqueles que ouvirem este disco concordarão comigo em que se trata sem dúvida
de uma das vozes fadistas mais sedutoras da sua geração e uma das que tudo indica
poderem vir a ter seguramente no panorama do Fado um futuro mais destacado A sua voz
prende?nos logo quando a ouvimos pela primeira vez, com um timbre espesso, quente,
carregado de emoção autêntica, capaz de ora murmurarem tom de confissão ora gritar
dores apaixonadas em que não sentimos nenhum artifício interpretativo mas apenas uma
fortíssima capacidade de comunicação dramática.
É evidente a filiação assumida de Katia Guerreiro numa tradição amaliana,
desde logo pelo próprio repertório, que retoma alguns dos fados mais emblemáticos da
fase final de Amália, em especial os do álbum Lágrima, e por isso inclui alguns dos
mais belos poemas da cantora. Mas se essa filiação se estende também a muitos aspectos
da própria abordagem interpretativa, como certos traços da colocação de voz ou do uso
da ornamentação melódica que nos podem soar familiares, Katia não se reduz de modo
algum a uma postura seguidista, e imprime a cada momento uma tal autenticidade expressiva
ao seu canto que ficamos suspensos da sua voz enquanto nos conta estas histórias tristes
de saudade e amargura, num registo em que é patente, ao mesmo tempo, um certo pudor de
expressão poética que se impõe pela delicadeza das meias tintas.
Este é um primeiro disco para ouvir com muita atenção Estou plenamente
convencido de que se lhe seguirão muitos mais, num percurso artístico que começa de
forma excelente e se anuncia ainda mais prometedor, num universo do Fado que, felizmente
parece entrar com o pé direito no século XXI.
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