Crítica
Gaiteiros de Lisboa - Macaréu
Música de Inquietar consciências
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Por: José MiguelMacaréu
marca o regresso dos Gaiteiros de Lisboa aos discos, neste caso avançando de forma
definitiva para as composições originais. É caso para dizer que - depois de Macaréu -
os Gaiteiros de Lisboa nunca mais serão os mesmos, como sempre.
Macaréu é um disco amadurecido, surgindo pouco depois do grupo ter apostado na
edição ao vivo de praticamente todo o seu repertório anterior. "Dança
Chamas" foi, então, o trabalho que encerrou um ciclo, ficando o registo de uma boa
dose da energia e irreverência, que marca os concertos do grupo.
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| A opinião de João Maia
Leia também a opinião de João Maia, colaborador do
At-Tambur.com - que também nos fala do que viu e ouviu neste novo disco dos Gaiteiros de
Lisboa.
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Neste novo trabalho percebe-se logo uma redução significativa das
percursões "bombásticas" - uma das imagens de marca do grupo - feitas
sobretudo a partir dos bombos, alinhados e dispostos como timbalões gigantes. No seu
lugar, José Salgueiro introduz uma espécie de "set" de bateria - recorrendo a
um punhado de instrumentos populares, adaptados e dispostos por forma a tirar partido dos
sua faceta de baterista.
Este é, seguramente, o primeiro impacto sentido neste disco - o qual pode
provocar uma certa estranheza aos fãs do som que caracterizou até aqui os Gaiteiros de
Lisboa, onde não era raro encontrar pessoas que conheciam melhor todos aqueles ritmos
mutantes, do que até as próprias letras e melodias.
Na verdade, para muitos, a presença tão significativa das percussões
funcionava como uma espécie de contradição ao próprio nome do grupo - que afinal
apostava mais nos ritmos e nas polifinias vocais, do que nas gaitas de foles e todas as
outras gaitas inventadas.
É verdade que o grupo começou a tocar na rua, precisamente com gaitas de
foles, uma caixa e um bombo - mas isso nunca limitou os caminhos a trilhar. De resto, a
única coisa que os Gaiteiros escolheram não fazer foi o uso de cordofones, na intenção
de fugir de um certo som já instalado.
Neste novo disco, o tema "Era do tamanho de um pardal" foi o escolhido
para promover o disco "Macaréu". Este sim, aposta na continuidade de uma das
outras facetas do passado - as lenga-lengas - músicas que contam histórias sobre
qualquer coisa ou simplesmente brincam com o som das palavras de forma exímea. Em cada um
dos discos, Carlos Guerreiro traz-nos uma destas incongruências, as quais são, quase
sempre, as músicas que ficam mais tempo na memória.
Pelo que foi dado a conhecer ao vivo, Macaréu perpetua o lado mais informal da
música dos Gaiteiros de Lisboa, a avaliar pelo início dos espectáculos com a peça
"Rondacalhe" (o último tema do disco) - que coloca os gaiteiros numa espécie
de rábula instrumental, em que oscilam entre desabamentos musicais constantes. Uma peça
construída nas supresas e nos truques para "sair do sério".
Mais genericamente, Macareu aposta em arranjos complexos - algo que permite a
este disco um estatuto de múltiplas (e quiçá) infinitas audições - isto, ao lado de
textos irreverentes, brilhantemente adaptados às melodias, aos ritmos e aos esquemas
vocais polifónicos: sem dúvida, esta última, a melhor e mais consistente
característica, que atravessa a história destes Gaiteiros, desde os tempos de
"Invasões Bárbaras", o primeiro disco.
Como nem sempre fazer novo é fazer de novo; é sempre possível encontrar em
Macaréu irrefutáveis traços da personalidade destes músicos, das suas qualidades
individuais e da sua consistência em conjunto - mantendo uma ligação ao passado, que
vem marcando a história da música portuguesa com um estilo inventado e completamente
original.
Mas, também é possível perceber algumas fragilidades, que resultam - em
grande parte - de um trabalho de estúdio, que não cresceu no ambiente de grupo. Macaréu
é um disco feito de temas vincados nas características dos seus respectivos autores. É
fácil distinguir quais são aqueles que foram criados, imaginados, transpirados pelo
Carlos Guerreiro; e quais os temas pensados, compostos e arranjados pelo José Manuel
David. Em alguns casos, a música neste Macaréu ganharia se as ideias fossem
efectivamente trituradas numa onda conjunta: acreditando que o todo é muito mais que a
soma das partes.
É impossível dizer se este disco é ou não o melhor trabalho dos Gaiteiros de
Lisboa. Estamos perante uma obra mais conceptual e elaborada do que nunca - que corre
deliberadamente todos os riscos de quem quer inovar na música portuguesa - uma tarefa
difícil, elevada por expecativas (sempre) muito altas.
Afinal de contas, é preciso ter muita coragem para editar um disco. Macaréu
é, por estas e muitas outras razões, uma excelente obra - daquelas que marcam e
inquietam consciências.