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Alinhamento
1. Memórias
2. Valsa Diabólica
3. Uma canção para Minha Mãe
4. Escadas do Quebra Costas
5. Canção
para Titi
6. Mar
Goês
7. Arcos
do Jardim
8. Arco
de Almedina
9. Discurso
Todos os temas são compostos e tocados por Carlos Paredes, com
acopanhamento à viola (cordas de
nylon) de Luísa Amaro excepto: "Memómias" e "Valsa Diabólica" com
acompanhamento à viola (cordas
de metal) de Femando Alvim.
Guitarra
Portuguesa construída por João Pedro Grácio júnior.
Gravado nos
Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'arcos, em Julho de 1993
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Inéditos de 1993
Carlos Pardes: Canções
para Titi
Texto de Rui Vieira Nery (retirado do libreto do CD)Excertos: Escadas do
Quebra Costas | Canções
para Titi
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Em Julho de I993, já seriamente afectado pela doença que o havia de
imobilizar, Carlos Paredes começou a gravar um novo álbum nos estúdios de Paço d'arcos
da Valentim de Carvalho. Em pelo menos uma das sessões registadas acompanhava-o Fernando
Alvim, um velho amigo e o viola notável com quem tinha partilhado o essencial da sua
discografia, nas restantes seria a vez de Luísa Amaro, a sua companheira dos últimos
anos e nestes também ela um pilar da sua carreira e da sua vida. No estúdio estava Hugo
Ribeiro, o mestre incontestado dos técnicos de som portugueses durante décadas. Carlos
Paredes estava entre amigos e entregue mais uma vez a profissionais excelentes.
Ao longo dos sucessivos períodos de gravação efectuados Paredes gravou um total de oito
composições novas. Fisicamente debilitado e com plena consciência das limitações que
isso acarretava ao domínio técnico absoluto que sempre caracterizara a sua relação com
a guitarra, foi multiplicando até à exaustão os takes de cada obra: dez no "Mar
Goês", doze na "Canção para minha Mãe", quatorze nos "Arcos do
jardim." Em alguns casos eram entradas de alguns compassos em breve interrompidas,
noutros interpretações integrais logo repetidas por os dedos o terem traído numa
passagem rápida menos limpa ou num ornamento menos claro. Por vezes percebe-se que houve
uma pausa entre takes para uma audição insatisfeita, noutras ouvimo-lo mergulhar com uma
precipitação quase angustiada de uma versão para a seguinte.
Ouvir hoje a sucessão completa destes registos é uma experiência emocional tremenda.
Sentimo-nos testemunhas directas de um combate feroz e desesperado de um grande criador
com o seu próprio corpo: a respiração, que os microfones captam impiedosamente, é
ofegante, e há no som da guitarra uma tensão por vezes violenta, como se Paredes
quisesse compensar com verdadeira raiva a firmeza que as mãos insistiam em negar-lhe. Mas
ao mesmo tempo é fascinante constatar como este combate desigual vai sendo ganho a pulso
e como de versão para versão os dedos vão respondendo melhor, as frases se vão
lançando, as obras ganham corpo e se afirmam em toda a sua inspiração. Há casos em que
ao longo deste processo a própria composição foi evoluindo, com alterações mais ou
menos significativas na estrutura de cada peça, desde realinhamentos na sequência das
respectivas secções a um crescente amadurecimento do desenho melódico e até mesmo a
mudanças de tonalidade.
Carlos Paredes não pôde já terminar este álbum, onde em circunstâncias normais as
oito peças gravadas poderiam sem dúvida ser ainda objecto de novas transformações, no
plano criativo, à procura da sua forma definitiva, e de novas versões, no plano
interpretativo, em busca de uma segurança técnica superior. Por outro lado, é de
admitir que outras composições inéditas se juntassem progressivamente às já gravadas.
Quando as gravações terminaram, estava-se, pois, assumidamente, perante um trabalho
incompleto, em termos tanto da sua dimensão última como do seu próprio processo de
maturação, e sobretudo perante um trabalho produzido em circunstâncias de evidente
limitação física do seu protagonista face à sua plena forma anterior. Nestas
condições, a decisão de o editar ou não revestia-se de um melindre artístico e ético
tanto maior quanto o autor não a podia já tomar ele próprio.
Passados os anos, e confirmada a trágica irreversibilidade do estado de saúde de Carlos
Paredes, impunha-se uma decisão, e foi então que Luísa Amaro, que se considerava
demasiado envolvida efectivamente para ter sobre este dilema a necessária distanciarão
crítica, e o editor David Ferreira, que desde o início sobrepôs a qualquer interesse de
ordem comercial a avaliação do mérito artístico intrínseco do projecto, acabaram por
decidir, para minha grande surpresa, pedir-me uma opinião profissional independente sobre
a matéria e confiar-me uma cópia integral do conjunto do material gravado.
Foi com verdadeira angústia - confesso - que me preparei para ouvir as gravações,
temendo o pior. Para lá de ter construído durante anos com Carlos Paredes uma relação
pessoal que sem ser propriamente de intimidade foi sempre extremamente cordial e mesmo de
grande partilha artística, com longas e estimulantes conversas sobre todos os tipos de
Música, do repertório clássico e romântico ao Manerismo e ao Barroco musicais e destes
ao universo do fado de Lisboa e de Coimbra, tenho desde que me conheço uma admiração
sem limites por Carlos Paredes, considero a sua discografia uma referência decisiva da
Música e da Cultura Portuguesas do século XX, em qualquer gênero, e lembrava-me ainda
muito bem de o ouvir ao vivo, fascinado, no auge da sua carreira, mas recordava-me
igualmente da fragilidade progressiva a que fora assistindo em algumas das suas
derradeiras apresentações públicas. Não era essa a imagem final que quereria ver
perpetuada em disco de um músico de semelhante estatura.
Da experiência da audição concentrada e seguida de todo o material disponível, dos
takes interrompidos às sucessivas versões integrais de cada peça, depressa me ficou,
contudo, uma sensação de enorme felicidade. Apesar da luta desesperada evidente que
Carlos Paredes travava consigo próprio naquelas sessões de I993 e das limitações
técnicas incontornáveis a que a doença já então o submetia, a sua Música impunha-se
com uma força verdadeiramente mágica logo a partir dos primeiros compassos - pujante de
inspiração e de rasgo, deslumbrante no seu lirismo inconfundível. Lá estava aquele
impulso rítmico único, partindo das anacrusas iniciais suspensas no tempo para depois se
despenharem no seu tempo forte de resolução e lançarem a partir daí frases longas e
ondulantes, sempre ao sabor de uma dicção musical perfeita. Lá estavam aquelas
tonalidades menores carregadas de melancolia, salpicados aqui e além de traços modais e
de passagens cromáticas que tornavam o desenrolar da melodia num mistério sempre
imprevisível. Lá estava, mesmo que agora por vezes transformado num grito de pássaro
ferido, aquele som intenso vibrado, plangente, e lá estava até, aqui e além, ainda que
dramatizado pelo esforço transparecente, um virtuosismo ocasional ainda surpreendente na
sua musicalidade inteligente.
Como sucede frequentemente com as suas obras anteriores, as oito peças que Paredes aqui
deixou gravadas têm uma estrutura flexível em forma de arco, com os sucessivos temas a
encadearem-se uns nos outros, dentro de cada uma delas, de forma muito livre, como numa
rapsódia, ou a disporem-se segundo esquemas de repetição simples. Em vários casos
havia para cada obra, de entre as diversas versões registadas, pelo menos uma onde os
problemas técnicos ocasionais dos takes anteriores tinham sido completamente
ultrapassados e que podia, por isso mesmo, ser reproduzida integralmente no seu estado
original. Nos outros casos, a própria natureza seccional das peças tornava fácil a
montagem de uma versão final a partir de dois - ou no máximo de três - dos takes
realizados, sem que essa montagem elementar implicasse qualquer manipulação excessiva de
estúdio. Uma vez decidida a edição viria esse a ser o trabalho - excelente, de resto -
de Luísa Amaro e do produtor Paulo Junqueiro.
Ouço agora mais uma vez o resultado final deste trabalho, livre das versões iniciais que
constituem um documento humano fascinante mas que de algum modo obscurecem o grau de
perfeição possível corporizado nesse resultado. Ao fazê-lo regressa-me insistentemente
a ideia de que Carlos Paredes, plenamente ciente, já então, da gravidade do seu estado
de saúde geral e sobretudo das dificuldades técnicas com que se debatia, não poderá
por certo ter deixado de sentir que estas seriam muito provavelmente as suas últimas
gravações. Nessa perspectiva é de sublinhar muito em particular a maneira como esta
Música, privada de um virtuosismo que pudesse valer por si para lá de qualquer outra
lógica de construção musical, se depura de tudo o que não é essencial para assentar
apenas numa inspiração concentrada onde nada é acessório. E chama-nos também a
atenção o modo como Paredes parece regressar aqui a um universo que é o das suas
reminiscências de infância, evocando as figuras tutelares da Mãe e da Tia, os espaços
familiares da Coimbra da sua meninice, e mesmo, de alguma forma, os sons tradicionais das
baladas de Artur e Gonçalo Paredes, seu Pai e seu Avô, tudo isto com um olhar
melancólico mas cheio de serenidade que nem a tensão dolorosa que marca alguns momentos
da sua execução consegue perturbar.
Por tudo isto seria imperdoável que o que constitui verdadeiramente o testamento musical
de Carlos Paredes não saísse a público, como documento artístico e humano de uma
força emocional rara, para nos dar esta visão final que fecha o círculo de um meio
século de carreira. Uma carreira que nos ajudou como poucas neste século a
reencontrarmo-nos connosco próprios e com a nossa identidade de portugueses. Rui Vieira Nery
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