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1.Debanadeira 2.Levanta-te, o Henriqueta 3.Cantiga da Segada 4.You Calcei Ias
Mies Chamancas 5.Amparo de Mãe 6.Com Seu Marido Vivia 7.Morava na Minha Aldeia 8.Cantar dos reis 9.Vestir o Menino 10.ó Infante
Suavíssimo 11.Célebre Escultor 12.Nossa Senhora Faz Meia 13.Loas de Santo Antônio 14.Hino do
Palaçoulo
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SONSdaTERRA
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Dossier Sons da Terrra
Aqueilha Antiga Alegrie...
Palaçoulo - Miranda do DouroMesmo
nestes tempos de acentuado modernismo, continua a ser comummente aceite que todos os
cidadãos deste mundo em mutação contínua, seja qual fôr a sua nacionalidade, devem
sentir-se orgulhosos daquilo que é característico, que é emblemático da sua Pátria,
do seu Povo, da sua região, da sua zona, do seu rincão-natal.
No entanto, a vida moderna vem proporcionando, progressivamente, a aceitação dos
padrões da vida citadina com plena abrangência até às aldeias mais sertanejas do
típico mundo rural português. Fenômeno natural que, todavia, não nos dispensará de
conhecer, amar e cultivar algumas expressões mais características do nosso Povo,
sobretudo do Povo Rural, já que elas revelam a nossa identidade, radicada nas canções
populares, nas danças, nas artes poéticas e em tantas outras de que o Povo é, na
verdade, um grande mestre.
Sem qualquer pretensão ou aparato de erudição, cabe-nos a responsabilidade imposta, por
grata deferência, de elaborar este pequeno texto de apresentação desta gravação
localizada de alguns cantares de uma aldeia mirandesa. Trata-se de PALAÇOULO, antiga
Palatiolum romana, a Palaciolo de 1212 e a actual Palaçuolo, em língua mirandesa.
Também aqui se regista um legado popular de canções (e não só), como património
vivo, de cujo caudal não é possível apresentar aqui gravação completa, mas uma
simples ideia basilar para um trabalho mais abrangente.
Algumas destas canções poderão ser consideradas autóctones, com apreciável cunho
poético e musical, pensamos que assaz reveladoras da ingenuidade criadora do Povo, capaz
de produzir, a seu jeito, obras-primas das artes poéticas e musicais. A originalidade e a
abrangência de algumas consideramo-las localizadas exclusivamente nesta pujante
localidade mirandesa de Palaçoulo. Outras são tida@ como pertencentes ao património
geral do folclore mirandês, algumas, em certa dimensão, pertencerão ao vasto roi das
canções nacionais e mais uma ou outra revelam certa influência castelhana. Assim se
conclui perante os temas e, porventura, algum aspecto linguística. Porém, a realidade é
que a gente do Palaçoulo tudo isto erfilhou, assimilou e assumiu, enri uecendo-o com
matizes vocabulares, morfológicos e variantes musicais, como expressão do seu sentimento
e da sua sensibilidade nativos. Aliás, é sabido que tanto os textos como as suas
expressões musicais, quando apenas transmitidos oralmente, se vão transformando, com uma
variação aqui, um acrescento mais ali e, ainda, porventura, um corte mais além.
A realidade é que, em geral, foi este Povo dos campos, das "bacadas", dos
"ganados" e de toda esta singular ruralidade mirandesa quem assumiu e conservou
as suas canções tradicionais, transmitindo-as de geração em geração, até à actual
situação, esta já considerada com sinais de periclitante ou, mesmo, quase no limiar do
extinguível.
Há poucas dezenas de anos, este Povo admirável cantava as suas canções ao quentinho do
borralho da lareira, durante os longos serões de inverno, nos fiadeiros ou fogueiras, nas
segadas, na arada, nas mondas, nas vindimas, nos jogos bailados, nos dias festivos (Natal,
Reis, Santo Antônio, São João e outros), nos casamentos e nas romarias. Entre estas,
destacamos, em terras mirandesas, os ramos cantados a Nossa Senhora do Naso, geralmente em
cumprimento de bem sentidos votos. Grata e saudosa evocação, também, dos nossos briosos
contadores do fado de Palaçoulo, à desgarrada e ao desafio, nas famosas rondas, nos
paga-vinhos, nas entradas para a mocidade e noutras praxes da tradição.
Os intervenientes em todas estas cantigas populares a elas se davam com espírito e
coração limpos. Era tradição, era divertido, era desabafo e alívio das canseiras e
provações da vida - impulso incontido de indomável força anímica. Por isso, não se
vejam como menos dignas certas facetas crítico-jocosas e, porventura, inocentemente
sarcásticas, à semelhança das facécias do seu ainda preferido SERINGADOR T.
Assim ouvíamos cantar, tocar e assobiar, por todo o lado, lugar abaixo, lugar acima, pelo
termo, pelos caminhos, pastores e pastoras, "boieiros" e "boeiras",
ripadores de folha de olmo e de freixo, a cavalo e a pé, à mistura com o respeitável
chiar dos carros que regressavam carregados, também à mistura com cães a ladrar, burros
a roznar, éguas a relinchar e toda, toda - muita - passarada a cantar, a chilrear, a
gorjear e a piar. Era um mundo rural a fervilhar, de fadas, de sereias a cantar, de
trovadores, de líricos, tudo, tudo de alma e vida telúrica sem limite de éden que, na
medida do possível, nos propomos simplesmente evocar na presente publicação gráfica e
acústica.
Esta mesma realidade já foi sentida pelo autor das presentes linhas, num trecho do seu
poema MIRANDAYÊ LA MIE TIÊRRA, escrito em língua mirandesa, trecho esse que a seguir se
transcreve:
Datrás (que bíen you me lhembro!),
Drento i fuóra de l lhugar,
Bie-se giênte an qualquer parte
A cantar i a assobiar.
Cansadica, mal dromída
l restro que Dius sabie...
Mas Ia giênte, nas aldés,
Andaba cun alegríe.
Síêmpre habie giênte no termo,
Na segada ou na bendíma
l no acarreio ou na trilha,
Mas hoije quaije dá grima!
l porquei será que agora,
Cun tanta máquina, tanta,
Que fáian tanto serbiço,
Naíde assobia nin canta?
Será ançaíro scobrir
Quei sucediu, quei serie?
Para dar a Ias aldés
Aqueilha antiga alegrie.
La bida de aldé yê linda,
Mas ten que haber cundiçones,
Senan quei benírá a ser
Destas nuôssas pobaçones?
A Associação Cultural de Palaçoulo, que, brevemente, passará a ter a
designação, já registada, de CARAMONICO - ASSOCIAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO INTEGRADO
DE PALAÇOULO, assumiu a iniciativa da presente gravação de Ias modas ou de Ias cantigas
de acá, cujo lançamento solene será integrado nas celebrações do 201 aniversário da
sua constituição oficial. Tais celebrações terão início neste preciso dia 29 de
Abril, seguidas de uma tarde folclórica (pauliteíros, gaiteiros, bailadores, bailadeiras
e outras cousicas), com uma cena a Ia mirandesa e, à noite, um promissor Festival da
Canção a que, também à mirandesa, se chama Fiêsta de Ias Cantigas - todas elas nesta
mesma língua outrora "envergonhada" e que, agora, nos prezamos em espevitar.
Que não s 'a ela, a ora, a envergonhar-se de nós!
Depois, para outras épocas do ano, esta Associação Cultural de Palaçoulo tem mais
eventos celebrativos já calendarizados, todos eles aprovados na sua movimentada
Assembleia Geral de 22 de Janeiro. Neles prevalecerão as tradições mirandesas, com
especial destaque no âmbito musical, coreográfico e, naturalmente, deste precioso falar
mirandês.
Oxalá esta briosa Associação, com o seu passado e a sua assinalável abrangència,
consiga, assim e por outros meios, reavivar a querença profunda de quantos ainda mantêm
acesa a vivência - impossível de contar - de um folclore que é mesmo vida anímica,
vida radical. Porém, agora, neste trabalho, os cantares estão na primeira linha das
artes e da vivência folclórica. Cada coisa a seu tempo. Esta calhou assim. E pensamos
que calhou bem.
E vamos prosseguir, porque temos um monumental acervo de especificidades culturais a
preservar, como inextinguível legado para coetâneos e vindouros. José
Francisco Fernandes |