Itália
Officina Zoe: Sangue VivoOs Officina Zoe alimentam-se das muitas misturas culturais -
próprias do mediterrâneo - e sobretudo do grande interesse pela música da sua própria
terra, no extremo sudoeste de Itália. Este disco é sobretudo marcado pelas Pizzicas - o
ritmo mais característico daquela região: um verdadeiro estado de transe musical.
Por João Maia
A Officina Zoe foi criada em 1993 por um grupo de sete músicos da região de
Salento (no extremo Sudeste da Itália), a partir do interesse comum em redescobrir a
música tradicional da sua própria terra. E essa música, especialmente o seu ritmo mais
característico, a Pizzica, conseguem capturar na perfeição as características não só
da região, mas também do próprio povo.
É uma música mediterrânica que vive das trocas com outras culturas da zona,
como por exemplo a grega, e que incorpora a alegria, doçura, sensualidade e melancolia do
povo de Salento, um povo pobre, de emigrantes, mas que consegue manter uma enorme energia
e paixão pela vida. E esta paixão acaba por ser traduzida na forma como os sete
elementos do grupo (Pino Zamba e Lamberto Probo no tamburello, Ambrogio de Nicola na
guitarra clássica, Claudio Miggiano na guitarra, violino e harmónica, Donatello
Pisanello no acordeão diatónico e Cinzia Marzo e Rafaella Aprile na voz) abordam cada um
dos temas.
Este disco começa em tom melancólico, com uns belos acordes de guitarra, mas
rapidamente o acordeão nos leva ao ritmo estonteante da pizzica, marcado pela cadência
dos tamburellos. É difícil de conseguir traduzir por palavras este ritmo, porque há
coisas que não se conseguem explicar, é preciso senti-las. Ele é excitante,
atormentador, inebriante e ao mesmo tempo tocante. É praticamente impossível de ouvi-lo
e ficar indiferente pois o crescendo persistente do tamburello acaba por nos tocar o
coração e a alma, envolvendo-nos numa extraordinária energia, e fazendo-nos quase
entrar em transe junto com os músicos.
O ritmo chega a ser tão intenso que os tocadores do tamburello muitas vezes
têm que usar lenços nas mãos uma vez que chegam a sangrar (daí o nome do disco), tal
não é a cadência e a energia com que tocam. E o tamburello acaba por contagiar os
restantes elementos do grupo que, à sua maneira, e cada um com o seu instrumento, acabam
por se entregar por completo ao ritmo deixando-se levar por ele.
Mas a pizzica não serve apenas para ser ouvida. É, para além de um ritmo, uma
dança típica da região de Salento, que muitas vezes é utilizada para fazer a corte. E
é, sem dúvida, um prazer ver Rafaella Aprile, uma das belas vozes femininas do grupo,
dançar este ritmo, entregando-se a ele por completo de uma forma que chega a ser sensual.
Os portugueses que estiveram no Festival Cantigas do Maio 2002 - no Seixal este ano
tiveram a oportunidade de comprovar isto, mas quem não esteve tem também a oportunidade
de o fazer com o CD pois este inclui uma apresentação multimedia da qual faz parte um
video do primeiro tema do disco, 'Don Pizzica'.
Este trabalho é uma daquelas pérolas que nos faz ter prazer em procurar e
descobrir novos sons, e novas culturas. Devo dizer que, caso não tivesse assistido ao
concerto deste grupo na última edição do Cantigas do Maio (2002), provavelmente este
disco ter-me-ia passado ao lado, porém em boa hora o fiz, porque é sem dúvida um
trabalho magnífico que, tal como a cultura da região de Salento, vale a pena ser
descoberto.