Digressão
Kyao & Chainho
Uma casa portuguesa
Digressão Nacional, de
28 de Novembro 2003 a 5 de Fevereiro 2004
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. . . . . . . . . .Mais
de dois meses é o tempo que Rão Kyao e António Chainho vão dedicar a uma
mega-digressão por todo o país - apresentando um espectáculo de cruzamento de duas
fortes personalidades musicais e das muitas influências da música dos portugueses.
Partindo da ideia de reunir em palco dois dos maiores
representantes do universalismo da música portuguesa, surge uma das mais interessantes
propostas musicais para os próximos dois meses: Rão Kyao e Antonio Chainho, acompanhados
por António Pinto e Marta Dias, irão percorrer o país com o espectáculo "Uma Casa
Portuguesa".
António Chainho e Rão Kyao já tiveram, de resto, oportunidade de
experimentar alguns cruzamentos, precisamente com a ideia de construir cenários à volta
do fado e as suas múltiplas facetas - próprias de uma música que habitava portos de
partida e chegada, os mesmos que permitiam transpor todas as fronteiras.
Assim viajou o fado nas suas influências. Assim também viajaram
estes dois músicos ao longo das suas carreiras, tendo ambos explorado novos sentidos para
a música portuguesa - em muitos casos revisitando a origem das suas próprias
influências.
Ao longo da sua carreira, Rão Kyao tem-se
distinguido pela sua persistente vontade em redescobrir o Oriente. Fazendo uso da flauta
de bambu e do saxofone, ele foi encontrando inspiração na música indiana, árabe,
chinesa e africana, restabelecendo assim o elo perdido entre a tradição musical
portuguesa e o Oriente.
Os 16 álbuns que editou até hoje indiciam de uma forma muito
clara a intenção expressa de, a cada passo, redescobrir as raízes da música
tradicional portuguesa, não temendo, antes pelo contrário, o confronto com as suas
fontes primordiais: a música indiana e a música árabe.
A primeira assume especial importância nos primeiros anos da sua
carreira, quando edita os álbuns «Malpertuis» (1976), «Bambu» (1977), «Goa» (1979)
e «Ritual» (1982). Álbuns que impõem Rão Kyao como a mais importante figura do meio
jazzístico português, ao mesmo tempo que não deixa de assumir o seu fascínio pela
música indiana, capaz de o levar a fixar-se em Bombaim durante alguns meses.
Rão Kyao só veio a conhecer o êxito comercial durante a década
de 80, quando os seus discos conquistavam, invariavelmente, galardões de ouro e platina.
Primeiro com «Fado Bailado» (1983), onde juntamente com o mestre da guitarra portuguesa
António Chaínho revia alguns dos mais consagrados temas da canção urbana de Lisboa à
luz do saxofone, deixando patente a influência da música árabe no fado. Depois com
«Estrada da Luz» (1984) e «Oásis» (1986), álbuns onde voltou à flauta de bambu para
mostrar as afinidades entre a música tradicional portuguesa e a música indiana.
O repetir do percurso dos navegadores dos Descobrimentos, levou-o
até ao Brasil, onde gravou o álbum «Danças de Rua» (1987), fortemente inspirado na
riqueza rítmica da música nordestina. O folclore português seria explicitamente
abordado em «Viagens na Minha Terra» (1989), regressando ao fado em «Viva o Fado»
(1996). Ainda antes, Rão Kyao tinha cruzando a música portuguesa com o flamenco dos
espanhóis Ketama, em «Delírios Ibéricos» (1992). Nos anos noventa, editou também os
álbuns «Águas Livres» (1994) e «Navegantes» (1998).
A ligação da música portuguesa ao Oriente e, mais
especificamente, a Macau, tinha já sido abordada por Rão Kyao no álbum «Macau ao
Amanhecer» (1984), de acordo com o mote proposto de relatar a presença portuguesa
naquele território em termos musicais. Macau volta a ser o pretexto para o novo álbum de
Rão Kyao, «Junção», desta vez acompanhado pela Orquestra Chinesa de Macau. Os
arranjos do maestro e director artístico Wong Kin Wai são de uma simplicidade e
eficiência reveladoras, enquanto a flauta de Rão Kyao redesenha paisagens em temas
intitulados «Coloane», «Taipa», «Macau» ou « São Paulo».
A música tradicional portuguesa, e também o fado, voltam a estar
presentes, descobrindo-se aqui e ali enredadas na música chinesa. Estas são
composições musicais que não enjeitam o silêncio, nem uma ideia de paz que se destina,
muito simplesmente, a celebrar a vida.
Por seu lado, António Chaínho tem sido
incansável na divulgação da guitarra portuguesa. Há mais de quarenta anos começou a
acompanhar os grandes do fado, fazendo a guitarra gemer ao lado de gente como Maria Teresa
de Noronha, Lucília do Carmo, Tony de Matos ou Carlos do Carmos. Mas hoje ele é,
incontestavelmente, o grande embaixador da guitarra portuguesa, e um artista em nome
próprio capaz de lhe oferecer novos mundos.
Alentejano de Santiago do Cacém, marcou o início da sua carreira
a solo com alguns EP, ainda nos anos sessenta. O seu primeiro álbum a solo,
Guitarra Portuguesa (1980), já publicado pela Movieplay, apenas deixava
antever uma carreira marcada pela composição de temas originais para guitarra
portuguesa, destinados a fazer a ponte com outros lugares e outros tempos.
Já durante a década de noventa (1996), gravou nos estúdios Abbey
Road, em Londres, um álbum em que, enquanto solista, era acompando pela Orquestra
Filarmónica de Londres. Um passo maior teria lugar quando foi convidado para participar
em Onda Sonora (1999), colectânea da série Red Hot em que emparceirava com
Filipa Pais e kd lang. Chaínho era o artista com mais participações e o virtuosismo e
sensibilidade do seu trabalho com a cantora country norte-americana chamou mesmo a
atenção de alguns dos mais prestigiados músicos de Nova Iorque.
Bruce Swedien (até aí envolvido na gravação de vários álbuns
de Michael Jackson) produziu então um álbum em que a guitarra portuguesa de António
Chaínho brilhava ao lado de alguns dos mais requisitados músicos da downtown
e de cantoras como Teresa Salgueiro, Elba Ramalho, Nina Miranda, Ana Sofia Varela, Filipa
Pais e Marta Dias. Em Portugal, o disco conquistou o galardão de ouro (mais de vinte mil
cópias vendidas). Lá fora, a guitarra portuguesa ganhava um divulgador sem par com a
edição de A Guitarra e Outras Mulheres (1998).
Próxima estação: Brasil. Lisboa-Rio (2000) levava de
novo António Chaínho ao encontro de uma antiga paixão. Juntamente com Celso Carvalho
gravou um álbum em que as vozes cabiam, desta vez, a cantores brasileiros como Ney
Matogrosso ou Virgínia Rodrigues. O reportório, escolhido entre originais e clássicos
da música brasileira, revelava, a um mesmo tempo, o brilho do Rio de Janeiro e a
genuinidade das vielas de Lisboa. Um disco único, sobretudo pela forma natural, subtil e
desenvolta através da qual elementos dispersos foram mais uma vez reunidos. Uma ponte que
continuou a revelar-se seminal: Adriana Calcanhotto chamou Chaínho para junto de si
durante a última digressão que levou a cabo em Portugal. Maria Bethânia convocou-o para
espectáculos no Rio e em São Paulo e e os concertos em Terras de Vera Cruz sucederam-se.
Em Portugal, o tenor José Carreras não o dispensou num grande
concerto no Pavilhão Atlântico e o passo seguinte só podeia ser o regresso ao Centro
Cultural de Belém, onde António Chaínho gravou, no passado mês de Janeiro, um álbum
ao vivo. Acompanhado por dois músicos brasileiros radicados em Portugal (Eduardo Miranda
e Tuniko Goulart) e pela cantora Marta Dias, que já se tinha distinguido em Fadinho
Simples, Chaínho ergueu um novo marco na divulgação da guitarra portuguesa.