Liorna
"Modernizar a tradição...
e tradicionalizar a Modernidade"
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Biografias
Antubel
Gaiteiros de
Lisboa
Xacu Amieva
Liorna
Portal Votis
Wolfstone
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Sendim
III Festival Intercéltico
de Sendim
Biografias dos grupos participantes
Sendim, Terras de Miranda - 2, 3 e 4 de
Agosto de 2002
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .O Festival Intercéltico de Sendim aposta
simultâneamente na qualidade e na alternativa, apresentando projectos inovadores e que
marcaram, em diversas épocas, uma certa "nova geração" das músicas
tradicionais.
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2 de Agosto de 2002, 22h00
Antubel
A noite é para a
gente da má vida
e também para os músicos!
Antubel pretende que a música folk, sendo algo que supera qualquer barreira ou fronteira,
desperte prazer e emoção nas pessoas, fazendo-as gostar e sentir a música.
Antubel afirma-se como
sendo um projecto alicerçado na combinação/confronto entre as expressões da tradição
identificadora e a procura da modernidade inovadora. Trata-se de um proposta que faz da
diversidade estilística e da riqueza rítmica pontos de partida de irrecusáveis apelos
para a descoberta de uma música carregada de dinâmicas, suscitando surpresas e tecendo
encantamentos.
Antubel é nome de
rainha das bruxas, a druída suprema: inimiga da luz e do sol, Antubel impera em todas as
noites de intercélticas celebrações. E foi justamente numa dessas noites, algures nas
Astúrias, com a madrugada a querer insinuar-se já nas montanhas que compõem o berço no
qual repousa Navelgas, que descobrimos este grupo leonês, a última formação a actuar
no concurso nacional de música folk Cuarto de los Valles, desde logo tendo assumido a
frente representativa da melhor folk jovem que nos foi dado ouvir naquela noite de frio e
de sidra vivida num bosque transformado em templo de todas as celebrações. E venceram,
com superior identidade e esfusiante juventude, deixando em todos nós a certeza de que
com gente como esta a folk tem o seu futuro mais que garantido.
Volvidos alguns tempos
e quando se impunham decisões sobre as celebrações intercélticas em Sendim, na Terra
de Miranda, assaltou-nos a ideia de que a música dos Antubel é, de facto, uma música
para a nova era, fresca e atractiva, cimentada na formação de todos os seus componentes,
interpretando melodias tradicionais e canções da sua própria autoria que entrelaçam a
música tradicional galega e asturiana com os ritmos irlandeses e escoceses, que o grupo
transforma e converte numa linguagem cosmopolita e universal, sem mais limites ou
fronteiras do que as da própria imaginação.
Na formação de
Antubel foi deveras determinante a invulgar diversidade de estilos musicais preferidos
pelos respectivos elementos, com distintos percursos que, de imediato, permitiram a
obtenção de uma não menos invulgar mais-valia instrumental. O que é, afinal, uma das
mais poderosas pedras de toque da música do grupo. De facto, os Antubel
personificam/tipificam a corrente dos jovens grupos chegados à folk com músicos de
múltiplas sensibilidades e apurada formação teórica e instrumental, afirmando-se, com
toda a legitimidade, como garantes e continuadores de uma tradição em evolução
constante. Neste sentido, importará abrir espaços para se apresentarem, de algum modo
contrariando a tendência para os festivais servirem maioritariamente de plataformas de
consagração dos
consagrados!
Antubel formaram-se em
finais de 1999, tendo nas gaitas de foles, flauta de pico e pandeireta um aluno da escola
de gaiteiros de Aluveire (Ourense), Sergio Santos, que desde muito cedo viveu em estreita
comunhão com as mais expressivas raízes da música folk, sendo hoje professor na Escola
de Música de Ponferrada (Léon). Componente da banda de música desta escola, Ana
Manrique é uma verdadeira maga da flauta transversal (o seu virtuosismo já lhe valeu o
epíteto de a flautista de Hamelín). Formada pelo Conservatório Superior da Corunha, Ana
Manrique é professora na Escola de Música Hermanos Sánchez Carralero, sediada na
leonesa terra de Cacabelos, sendo uma das grandes responsáveis pela componente
clássica do grupo.
Do mesmo modo muito
ligada à música clássica (estuda violino e música de câmara no Conservatório
Superior da Corunha e faz parte da Camerata Laurentina, orquestra de câmara de Léon),
Sílvia Álvarez é também particularmente atraída pela música tradicional (tendo feito
parte do grupo Yibendrell e integrando a banda de gaitas Castro Bergidum, de Ponferrada),
contribuindo com as suas execuções em violino para a criação dos climas musicais (não
raro encantatórios) mais subtis dos Antubel. Também vinculado à referida banda de
gaitas se encontra Victor Álvarez, um músico com raro sentido de humor e propensão para
o divertimento quando integra o violoncelo (mas também a gaita de foles, guitarra baixo e
djembé) no colectivo Antubel. Actualmente, Victor Álvarez frequenta o Conservatório
Superior de Oviedo (Astúrias) e faz parte do Grupo de Violoncelos de Virguen Sarkissov
(Moscovo).
Mas não param por aqui
as andanças por conservatórios dos membros dos Antubel: Damián Pazos frequenta o
Conservatório Cristobal Halfter (Ponferrada) e o Magistério da Universidade de Burgos.
Grande responsável pelo trabalho de composição nos Antubel, Damián Pazos toca guitarra
de tal maneira que, dizem, não há nada que não possa ser tocado pela sua guitarra
mágica.
Responsável pelos
teclados e pela voz, Maria Fuertes trouxe consigo uma larga experiência, graças à
participação em diversos grupos e orquestras da área folclórica (Grupo Planetas,
Piramide Orquestra, Orquestra Ciudad de Ponferrada, Grupo Zorbas
). Com formação
superior de piano e música de câmara (Conservatório Superior de Música de Santiago de
Compostela), Maria Fuertes exerce a actividade de professora no Colegio Virgen de la
Peña, de Bembibre. Diana Samprón, por sua vez, assegura (e de que maneira!) as
prestações rítmicas de diversas percussões e bateria (instrumento que lecciona
actualmente na Escola Municipal de Léon) e reparte-se pelas mais diversas formações:
Silvares (grupo de boleros de Léon), B. Doce (grupo de rock de Ponferrada), Los
Instantáneos e Hierba del Campo (grupo de música tradicional).
Em suma, uma invulgar
conjugação de docência com militância folk faz dos Antubel o somatório empolgante de
uma entrega tão singular como realmente própria de quem pretende que a música folk,
sendo algo que supera qualquer barreira ou fronteira, desperte prazer e emoção nas
pessoas, fazendo-as gostar e sentir a música.
Quase a cumprir apenas
três anos de existência, Antubel desenvolveram já intenso labor em termos de concertos.
Em 2000 participaram nos mais distintos e diversos eventos na terra leonesa (Música
Contra a Sida, em Ponferrada; Festival Celta de la V Feria del Vino de Bierzo, em
Cacabelos; Festival Celta San Cristóbal, em Toral de los Vados; Concerto Celta Fiesta
Lugnasad, em Peranzanes; Noche Celta, em Astorga; e Noche de Cornatel, em Cornatel) e em
2001 não podemos deixar de destacar os concertos integrados em vários eventos dignos de
referência: Semana Céltica de Oviedo (Astúrias), Ciclo de Viernes Musicales de Léon
(ao lado de Phil Cunningham, Aly Bain, Hevia, Carlos Núñez, NArba, Skanda e
Felpeyu), XII Muestra de Nuevas Músicas (Léon), Festival Benéfico del Banco de
Alimentos (Ponferrada), Noites Celtas de las Fiestas de San Juan y San Pedro (Léon), XVII
Festival do Mundo Celta de Ortigueira, na Galiza (num programa que inclui os Oskorri, Fía
na Roca, Sharon Shannon e Luar na Lubre, entre outros), Concurso Folk Cuarto de los Valles
de Navelgas (Astúrias). Na sequência da vitória obtida pelos Antubel neste concurso,
escreveu Miguel Varela (Diário de Léon) o seguinte:
Antubel é um dos
grupos musicais nascidos nos últimos anos em Bierzo que, para abreviar, se rotulam de
celtas sem se saber muito bem porquê. Tais como Abraxas, Aira da Piedra, Rapabestas,
Yibendrell, entre outros, bebem nas fontes tradicionais do noroeste peninsular, da
Bretanha, Irlanda ou Escócia, mas afastando-se progressivamente dos caminhos
excessivamente percorridos pela folk, para introduzir sons, ritmos e instrumentos
característicos de outros estilos, procurando um estilo próprio e apresentando o rigor
de uma formação ampla ou a experiência de uma larga trajectória.
Tal como reflecte
Miguel Varela, trata-se de grupos que habitam circuitos próprios do movimento folk/trad
particularmente activos e dinâmicos, de sobremaneira expressivos de uma certa periferia
que ousa e inova, apesar das enormes barreiras que (ainda e sempre!) impedem (por
enquanto
) uma maior e merecida projecção. Para o que a participação nestes
festivais pode ser verdadeiramente decisiva. Seja como for (e apesar de tudo) com os
Antubel é perfeitamente legítimo e adequado concluirmos que lo celta no ha muerto en el
Bierzo.
Músicos
Ana Manrique: flauta transversal | Diana
Fernández: bateria e percussões | Damián Pazos: guitarras acústica e espanhola| Maria
Fuertes: teclados e voz | Sérgio Santos: gaita de foles, flauta e pandeireta | Sílvia
Álvarez: violino | Victor Álvarez: violoncelo, gaita de foles, guitarra baixo e djembé
Discografia
2001 La Noche es pá la Gente de
Mal Vivir
(Y pá los Músicos)
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2 de Agosto de 2002, 23h00
Gaiteiros de Lisboa
O que nos
preocupou mais foi precisamente os modelos que não queríamos seguir. No tratamento da
música popular portuguesa por músicos urbanos, a certa altura, houve grupos que
divergiram para o folclorismo e outros para o celtismo, que ninguém sabe muito bem o que
é e que, na nossa música, não tem nada de espectacular, mas não é, de certeza, passar
de 4/4 para 7/8 e alternar para um 6/8. Havia necessidade de abrir um espaço que ainda
não tinha sido explorado ao nível da sonoridade, das harmonias da Beira, do Alentejo ou
do Minho, do timbre das gaitas e dos bombos. Se repararem, não usamos braguesas nem
cavaquinhos, fugimos à tentação de usar instrumentos de corda. Não temos nada contra
eles e, se fizer sentido, até podemos vir a utilizá-los. Mas procurámos a harmonia a
partir das vozes individuais. O que acabámos por fazer foi recuar nos caminhos que a
música popular praticada por grupos urbanos tem seguido, voltar ao ponto zero e procurar
outra via. Um pouco espontaneamente e sem plano de acção prévio. Pode dizer-se que
partimos de um conhecimento profundo da vivência da música tradicional que hoje nos
permite fazer pura e simplesmente a música de que gostamos. A ideia é não pensar que se
está a fazer música popular portuguesa.
E foi realmente na busca de um som próprio que se foram materializando as incursões dos
bárbaros gaiteiros procurando combinar nas sonoridades aerofónicas as expressões
tradicionais portuguesas com as específicas de outras culturas. A recusa
deliberada dos cordofones (com excepção para a sanfona) correspondeu à rejeição
consciente de ambientes já cristalizados (e não raro aproveitados e confundidos pelos
oportunistas/mercantilistas da praça), e, como tal, a verificar-se a invasão
por esses caminhos nada mais resultaria do que um mais que duvidoso non nova sed nova:
"Privilegiámos o aspecto harmónico e tímbrico, combinando harmonias da tradição
popular com instrumentos na maioria das vezes de outras culturas e contextos (com alguns
outros inventados pelo próprio grupo), na incessante busca de novas
sonoridades. Não temos preconceitos sobre nada. Vamos fazer sobre a nossa cultura tudo o
que quisermos. E estamos cá para os puristas, que, a esta altura, já são uma espécie
de dinossauros!"
As
incursões dos descendentes adeptos da tibia utricularis - que os tempos e os
povos moldaram em mil formas! - não obedeceram propriamente àquilo que se pode
considerar como sendo uma planificação ou preparação prévia: Paulo Marinho, Nuno
Cristo e Francisco Bouzó encontravam-se, um tanto ao acaso, para umas
gaiteiradas e outros tantos dedos de conversa com as gaitas de foles como tema
fundamental. Com o decorrer dos tempos, Nuno Cristo rumou para outras
conquistas e entrou para a tertúlia gaiteira o indomável Carlos Guerreiro e,
pouco depois, também Rui Vaz. Um ou outro concerto, esporádicas passagens pela
televisão (sobretudo a galega) e escassos trabalhos foram mantendo a célula em
funcionamento. O galego Bouzó, entretanto, saiu (porventura talvez mais convencido de que
nisto das gaitas e apesar da concorrência, sempre é mais estimulante e recompensador
soprar na Galiza!...), registando-se, em 1993, a entrada de José Manuel David
e, com ele, a formação dos bélicos olifantes que ousaram trespassar a
estepe no fulgor da bárbara conquista, com a preciosa ajuda e estímulo de José
Mário Branco.
Música em estado puro
Formados, pois, em 1991, os Gaiteiros de Lisboa - actualmente Paulo Marinho, Rui
Vaz, José Manuel David, José Salgueiro, Pedro Casais e Carlos Guerreiro - realizaram a
sua primeira apresentação ao vivo (com José Mário Branco) em 21 de Março de 1994, no
Centro Cultural de Belém, desvendando, como referiram, as suas intenções
bárbaras:
Música em estado puro,
a conjugação dos instrumentos; alquimia fantástica, agarrar em dois bocadinhos de cana
e um canivete e fazer um instrumento, colocar vozes por cima, tocar e fazer harmonias;
recolha, transformação dos materiais, daquilo que seria o som dos bárbaros que
invadiram a península depois da queda do Império Romano...
O que se afirmou
naquele concerto histórico, mais do que um projecto específico de abordagem às nossas
raízes musicais em diálogo com os sons próprios de outras culturas, foi uma
(re)invenção da nossa dimensão/identidade cultural: sagrado é o vento que faz
cantar a terra como sagrada é a procura da razão de ser dos sons que nos inebriam,
da nossa música antes de ser (ou de se ter tomado a nossa música. Há uma herança por
assumir, um legado cuja posse permanece por reinvindicar: são precisas asas para vencer o
labirinto de quantos ventos sopram adversos. «Se eu soubesse que voando
alcançava o que desejo, mandava fazer umas asas, que as penas são de sobejo», cantam os
invasores suspendendo, no tempo, o cristal puro da nossa dimensão cultural: a
verdade das origens, das raízes reside naquilo que, de inesgotável, nelas permanece para
nós, ainda (e sempre) desconhecido.
Paulo Marinho é um
daqueles convertidos ao sortilégio das gaitas, com um coração que respira ao ritmo do
fole do seu instrumento. O seu estudo, criterioso e profundo, assim como a respectiva
prática instrumental, tem-na Paulo Marinho vindo a desenvolver, a partir de inícios dos
anos 80, nas estruturas da Juventude da Galiza, pertencendo ainda ao grupo de danças e
cantares Anaquiños da Terra, da Galiza. Nas suas andanças galegas, Paulo Marinho teve a
oportunidade de frequentar vários cursos ministrados por prestigiados gaiteiros da
Galiza. Em 1983 contando apenas com dezassete anos, Paulo Marinho surgiu a integrar o
grupo fundador dos Sétima Legião e desde então, habituámo-nos a ver o jovem gaiteiro
integrar o leque de colaboradores de vários espectáculos e gravações, abrangendo
distintas expressões musicais: Almanaque, Romanças, GNR, Golpe de Estado, Rodrigo Leão,
António Manuel Ribeiro, Francis e Amélia Muge.
José Manuel David, que
entrou para os Gaiteiros de Lisboa em 1993, após a saída do galego Francisco Bonzó, é
professor de educação musical no ensino oficial, tendo sido, em 1975, um dos elementos
que integram o núcleo fundador do grupo Almanaque, formação esta que dirigiu, tendo
participado nas gravações dos álbuns Descantes e Cantaréus e
Sementes. A sua integração em equipas de recolha de música tradicional
portuguesa contribuiu, de forma decisiva para o seu conhecimento e enraizamento no legado
tradicional. Tendo realizado trabalho de direcção de ateliers em cursos organizados pelo
Sindicato dos Músicos, José Manuel David efectuou vários trabalhos na área
publicitária e da música destinados aos públicos infantis.
Carlos Guerreiro
começou a tornar-se sobretudo conhecido a partir de 1975, quando surgiu a integrar os
seminais GAC-Vozes na Luta. Este colectivo de acção cultural permitiu-lhe criar
estímulos para avançar para o estudo (e posterior construção) de vários e
diversificados instrumentos musicais tradicionais, sobretudo graças aos conhecimentos
adquiridos nos museus e aos ensinamentos de alguns construtores populares. A sua entrega
à música tradicional e popular portuguesa levou-o a participar em concertos,
gravações, programas de rádio e televisão com José Mário Branco, José Afonso,
Vitorino, Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Fausto, Luís Cília, Sérgio Godinho,
Rui Veloso, Sétima Legião e La Batalla, entre outros. Professor de Expressão Musical no
Centro de Paralisia Cerebral, da Fundação Calouste Gulbenkian, Carlos Guerreiro conta no
seu já vasto curriculum artístico com vários trabalhos musicais para teatro,
televisão, cinema e publicidade.
Igualmente membro do
Grupo de Acção Cultural - Vozes na Luta, em 1976, Rui Vaz desde logo se destacou pelos
aturrados estudos e prática do cante alentejano e da gaita de foles, o que
não deixou de surpreender todos quantos conheciam as suas anteriores experiências nas
áreas expressivas do jazz e dos blues. Trás-os-Montes e o Alentejo viram-no empenhado em
trabalhos de recolhas de espécimes da música tradicional e, logo mais, foram chegando
notícias sobre a sua intensa actividade musical: membro dos grupos O Ó Que Som Tem e
Bago de Milho; direcção, entre 1979 e 1981, do grupo Cramol; participação em vários
espectáculos dos Romanças (como músico para o efeito convidado), assim como de José
Afonso, Fausto, José Mário Branco e Júlio Pereira (com as correspondentes
colaborações discográficas). Pedro Casais seria a amis recente entrada para o grupo,
destacando-se pelas suas prestações vocais.
Invasões
Foram estes os bárbaros que prepararam as invasões,
convidando para tais lides laboratoriais, alguns amigos, entre os quais
avulta, naturalmente, José Mário Branco cujo contributo todos reconhecem como tendo sido
decisivo para romper barreiras e destruir obstáculos. A universalidade expressiva de um
projecto durante anos despreocupadamente amadurecido teve em José Mário
Branco um dos mais acérrimos defensores das não-regras que acabaram por fazer das
INVASÕES BÁRBARAS uma obra para respirar com o cuidado indispensável para
não...sufocar!
À inspiração de
José Manuel David se ficou a dever a Introdução nestas narrativas que, logo
mais, nos devolvem ao Ribatejo e à Beira Baixa da dupla, Fandango/Ai por Cima
em que as percussões (José Salgueiro, que acabaria por integrar o grupo, com todo o seu
talento e mestria na arte de bem tocar as percussões, Rui Vaz, José Mário Branco e
Carlos Guerreiro) dialogam com as gaitas de foles (José Manuel David e Paulo Marinho) e a
flauta (de José Manuel David), com as vozes a avisarem que quem houver de andar pra
outrem, há-de andar com cuidadinho...
O Alentejo revisita-nos
com uma telúrica composição para vozes e sanfona/palheta, A Ribeira do Sol
Posto, e uma canção natalícia, O Menino está na neve, na qual o
primado se divide entre as palhetas e as vozes. São dois cantos de (re)dimensão humana
de um sentimento peculiar de religiosidade endémica.
Trás-os-Montes - ao
que consta terra onde se refugiaram os Lusitanos quando os Celtas desembarcaram por estas
bandas! - é paisagem musical de obrigatória paragem. Se o Romance da Lhoba
é espécime característico de uma área étnico-cultural que se perde nos confins
leoneses, La Serandillera é evocação homenagem da saga de
gentes ciosas das suas tradições culturais. Ambas as composições foram deliberada (e
bárbara)mente atacadas pelos Gaiteiros de Lisboa numa forma/estilo de recusa total de
clichés por demais gastos e esvaziados. Reinvenção ou essência autêntica das raízes?
Os sentidos de cada um que o digam.
Os ecos populares
ressoam num Se Eu Soubesse Que Voando no qual as gaitas de foles estão
ausentes (espaço para a sanfona de Carlos Guerreiro) e numas Décimas com a
indelével marca de José Mário Branco. Este assina em exclusivo, duas
composições, Cinco por Quatro e Marcha, instrumentais de
inegável ousadia e inspirada sugestão de inovação. Bárbaro, quanto baste!
As composições de
autor são, registe-se, uma componente forte da obra: Carlos Guerreiro e José Manuel
David fizeram da Lenga Lenga uma verdadeira jóia de interpretação vocal
colectiva, enquanto que Chula, de autonomia colectiva, é um festim para as
percussões. E, por último, até Sérgio Godinho foi recrutado para as INVASÕES
BÁRBARAS, com um Talvez que sonhando, do qual retemos um dos momentos mais
inspiradamente laboratorizados pelos Gaiteiros de Lisboa (e José Mário Branco!) e um
fragmento do recado (habitual) do Sérgio: Ter sempre a certeza da música, por via
da música tocar e cantar...
Editado em 1997, BOCAS
DO INFERNO é um trabalho que se insere na opção desconcertante definida desde o início
pelos não menos desconcertantes Gaiteiros de Lisboa. Produzido por Carlos Guerreiro,
Carlos Jorge Vales e José Manuel David, esta obra contou com arranjos e direcção
musical de Guerreiro e David, sendo de realçar a vasta panóplia instrumental utilizada:
por um lado, instrumentos bem mais ou menos conhecidos (gaita galega, gaita de foles
mirandesa, ocarina, tambores, trompa, sanfona, marimba, fliscorne, mum-mum, flauta de pan,
cromorne, flauta chinesa, shawn chinês, pratos chineses, ciaramella, svina dragão,
saltério e idiofone chinês) e, por outro, instrumentos construidos pelos elementos do
grupo (tubo estriado com búzio, cabeçadecompressorofone, clarinete acabaçado, orgáz e
serafina).
Um dos aspectos mais
marcantes deste trabalho dos Gaiteiros de Lisboa reside justamente no incremento das novas
composições, com Carlos Guerreiro e José Manuel David a pontificarem: de Carlos
Guerreiro retemos Triângulo Mângulo (com recurso a uma letra popular de
Santa Marta de Penaguião, na região do Alto Douro), Ciao Xau Macau (com o
regresso de Sérgio Godinho a colaborar nas palavras), Condessa (tendo por
base um romance popular lisboeta) e Chula Gaiteira (com letra do galego Manuel
Outeiriños, da qual respigamos a seguinte estrofe: Mira que chula esta Chula/ que pasou
da raia seca/ e ven de vella gaiteira/ pola beira da ribeira/ do país do amigo
Zeca
) e, de José Manuel David, a ousadia inovadora de Agora Que
Eu Vou Cantar (com letra popular alentejana), Trompa da Moda e
Cromórnia.
Mas são os temas de
origem tradicional que continuam a marcar as incursões subversivas dos nossos
Gaiteiros: Leva Leva (dedicado à memória de Michel Giacometti, num singular
diálogo entre o Algarve, Trás-os-Montes e a Córsega), Segadinhas (de S.
João do Campo, no Gerês), Por Riba se Ceifa o Pão e Milho
Grosso (ambas da Beira Baixa), Folia do Espírito (um tema açoreano) e
Nós Daqui e Vós Dali (um tema popular de Ifanes, em Terra de Miranda,
servido pela gaita de fole mirandesa soprada por Paulo Marinho).
Em 2002, os Gaiteiros
de Lisboa inscreveram na sua discografia, a todos os títulos obrigatória, um registo
gravado ao vivo, DANÇACHAMAS, que constitui um inequívoco documento da telúrica
expressividade posta em palco pelos seus músicos, fragmento de uma obra que, na sua
totalidade, nos remete de novo e sempre!
- para as certezas de Sérgio
Godinho: Ter sempre a certeza da música, por via da música tocar e cantar...
Ondas
Gaiteiras!
Publicado em 2002,
Macaréu é o terceiro álbum de originais dos Gaiteiros de Lisboa, tendo sido apresentado
em concerto especialmente produzido para o efeito, realizado na Aula Magna da Reitoria da
Universidade de Lisboa em Abril passado. Com arranjos da responsabilidade dos respectivos
compositores dos temas (num total de catorze, repartidos por Carlos Guerreiro, José
Manuel David, José Salgueiro e Amélia Muge, incluindo ainda duas composições para
poemas de Fernando Pessoa e Alexandre ONeill) e direcção musical a cargo de Carlos
Guerreiro e José Manuel David, este trabalho contou ainda com colaborações pontuais de
Paulo Charneca (Adufe e Tocá Rufar) e Pacman (Da Weasel). A propósito deste disco,
afirmou Carlos Guerreiro (Blitz): "Só depois do disco acabado é que me apercebi que
só há dois temas que se baseiam em formas da música tradicional, mas todos os outros
são feitos a partir de letras tradicionais ou incorporam alguns esquemas rítmicos ou
vocais ou polifónicos da música tradicioanl. Apesar de tudo, acaba por estar sempre
presente em aura".
De referir a
manutenção do nível de inovação sonora a que o grupo sempre nos habituou,
nomeadamente através da construção de instrumentos originais bem como o facto de em
Macaréu, para além de um maior enriquecimento a nível dos textos, se registar uma
evidente mutação sonora que se consubstancia no uso de novos timbres de percussão e
aerofones.
Músicos
Carlos Guerreiro: sanfona, percussões, ponteiro, flauta de pan, coros | José Manuel David: tambores, trompas, gaitas, flautas, percussões, coros | José Salgueiro:
tambores, bombos, trompas, percussões, coros | Paulo Marinho: gaitas de fole
diversas e outras gaitas | Pedro Casais: percussões, coros | Rui Vaz: percussões, coros
Discografia
1995 Invasões Bárbaras (Farol)
1996 Bocas do Inferno (Farol)
2000 Dança Chamas Ao Vivo (Farol)
2002 Macaréu (Aduf Edições)
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3 de Agosto de 2002, 22h00
Xuacu Amieva
Xuacu Amieva,
asturiano de gema nascido em El Mazucu mas residente em Oviedo a partir dos seus nove anos
de idade, iniciou as suas actividade musicais por volta do ano de 1975, aprendendo como
autodidacta a tocar a emblemática gaita asturiana, demonstrando uma aptidão que logo
mais o levaria a integrar-se em grupos folk locais como os Raigañu e os Urogallos. Os
seus conhecimentos sobre e música tradicional asturiana foram de sobremaneira
aprofundados com a sua integração em grupos de investigação etnográfica que levaram a
cabo projectos de recolha e de gravação de melodias e bailes tradicionais. Esta pesquisa
etnográfica seria, de facto, absolutamente decisiva para a sua formação musical, com
particular destaque para os saberes adquiridos durante as entrevistas efectuadas aos
velhos gaiteiros, que efectuaram inestimável transmissão de técnicas e repertórios
tradicionais assaz expressivos.
Xuacu Amieva permanece
como uma referência fundamental e de todo incontornável em termos de conhecimento e de
estudo da música tradicional asturiana, sendo um gaiteiro de amplamente reconhecidos (e
premiados) méritos, virtuoso multinstrumentista e professor de gaita. Esteve na origem de
grupos verdadeiramente seminais da folk asturiana, como Beleño (criado em 1983) e Ubiña
(fundado em 1985), ambos dissolvidos em 1989 mas dos quais nos resta discografia a todos
os títulos indispensável para o conhecimento da excelência folk da sua terra natal.
Antes, em 1981, as
inquietações culturais de Xuacu Amieva levaram-no a criar uma escola de gaitas com o seu
próprio nome (e que continua a leccionar no presente, no âmbito da qual foi criada, em
1987, a Banda de Gaitas Narancu, da qual é director) e, em 1984, publicou, com a
colaboração de Francisco Ortega, aquele que seria o primeiro método de gaita das
Astúrias, justamente pela necessidade sentida, na sua qualidade de docente, de
disponibilizar um manual sobre a técnica de aprendizagem do instrumento com regras
pré-estabelecidas e universais.
Os seus méritos como
gaiteiro alardeando um virtuosismo inigualável valeram-lhe, em 1986, a
atribuição do prestigiado Troféu Internacional MacCallan pelo Festival Interceltique de
Lorient (Bretanha). E de tal modo a sua mestria tem vindo a ser reconhecida que, a partir
de 1990, Xuacu Amieva deu início a uma carreira solista (com esporádicas criações de
grupos para o acompanharem), tendo-se apresentado nos mais conhecidos festivais europus do
género.
A sua discografia
inicia-se em 1986 com a publicação do álbum Onde LAgua Ñaz, três anos depois
seguido de Xostrando. E quando em 1992 se publica novo álbum da sua autoria, Lluna
Caldia, para trás ficavam o álbum Ubiña (do grupo homónimo) e a sua participação na
obra Les Cornemuses dEurope an Cornouaille, obra testemunhal de um grande encontro
de gaiteiros (como o seria também, embora de âmbito exclusivamente asturiano, o disco La
Gaita Asturiana, no qual Xuacu também participou).
O álbum Santiago,
publicado em 1996 pelos irlandeses The Chieftains, incluiu uma faixa, El Besu, com a
participação (canto e rabeca) de Xuacu Amieva que lhe valeu um Grammy. E, no ano
seguinte, a Danza de Sigüenci foi incluida num dos discos da popular série Naciones
Celtas.
Uma das vertentes
criativas de Xuacu Amieva tem sido a composição de temas musicais para documentários
televisivos e curtas metragens, sendo de destacar o facto de ter sido também o autor do
guião-texto para um documentário sobre os instrumentos musicais asturianos. A partir de
1995, Xuacu Amieva colabora com o espectáculo Mercado Asturiano, efectuando concertos nas
cidades onde o mesmo é montado (neste show, os contos mitológicos contam com
ilustrações musicais da sua autoria). Aliás, sempre muito preocupado com a divulgação
da música tradicional asturiana, Xuacu Amieva tem colaborado com numerosas escolas,
efectuando concertos como multinstrumentista: gaita asturiana, rabeca, sanfona, flautas,
percussões e
canto.
Finalmente, em 1999
seria publicado aquele que é (provisoriamente, porque nesta data encontra-se já em
estúdio a gravar novo disco) o seu último trabalho discográfico, o álbum Tiempo de
Mitos, no qual foram justamente incluídas algumas composições baseadas nas figuras
mitológicas do imaginário asturiano. Trata-se de um obra que se situa ao nivel da
excelência expressiva e interpretativa, testemunho inequívoco de uma vivência folk
intensa e fortemente enraizada na realidade da sua terra natal. Não obedece a modas, não
transige com mercantilismos ou oportunismos, antes se assume como discurso directo de uma
postura intransigente na defesa de uma maneira de ser e de estar profundamente
comprometida com a terra e as suas gentes.
É, aliás,
precisamente no sentido deste compromisso (mandato cultural) que Xuacu Amieva insere todos
os seus trabalhos em prol da divulgação da gaita asturiana, instrumento que existe em
três tipos fundamentais, à semelhança do que sucede na Galiza: a grileira, com
ponteiras que variam entre 30 e 32 cms de comprimento; a redonda, apresentando ponteiras
que variam entre 32 e 34 cms de comprimento; e a tumbal, cujas ponteiras se situam acima
dos 34 cms de comprimento. De algum modo como corolário de toda a sua profunda paixão
pela gaita asturiana, em 1998, foi publicado um precioso Método de Gaita Asturiana, da
sua autoria, uma obra que ele fez questão de dedicar a todos os seus alunos, nos
seguintes esclarecedores termos:
As Astúrias sempre
foram um país musical. O murmúrio de um regato, os sons do bosque, os chocalhos das
ovelhas e das vacas nas noites de verão, o chiar dos carros da terra convidando, como se
fossem a ronca de uma gaita, a entoar uma asturianada. Um pastor cantando na ladeira de um
monte, o som da gaita e do tambor nas alvoradas de um dia de festa, o bulício da romaria
e os cânticos dos aldeões com pandeiretas.
Toda esta cultura
musical se transmitia nas Astúrias de forma oral. Porém, na última metade do século
XX, a maior parte destas tradições foram joeiradas, reprimidas ou relegadas ao
esquecimento, pela transferência da vida dos meios rurais para os meios urbanos.
Nos últimos anos,
assistimos ao ressurgimento de um novo interesse pelos costumes autóctones: os mais novos
procuram as escolas de folclore para poderem aprender as nossas ricas tradições. Este
método de gaita surge precisamente para responder a essa procura por parte das novas
gerações de pessoas interessadas pela música tradicional e, mais concretamente, pela
gaita. Nele se encontram sessenta e oito temas tradicionais asturianos, galegos ou de
composição moderna, ordenados por ordem crescente de dificuldade. A maior parte são de
origem tradicional e foram recolhidos por toda a terra asturiana, do repertório de
pessoas idosas e, na sua maioria, gaiteiros.
E, em 2001, Xuacu
Amieva procedeu à edição (no formato CD-ROM) de um notável Curso Interactivo de Gaita
Asturiana, que permite conhecer os diferentes aspectos do popular instrumento (som
história e manutenção), com destaque para a inclusão de biografias de gaiteiros
tradicionais, fichas e partituras, bem como de doze preciosas lições com imagens de
vídeo, indispensáveis para a aprendizagem do instri«umento.
Músicos
Ignacio Toquero: mandolina, guitarra acústica | Pablo Pumarada:
percussões | Raquel Castro: violino | Xuacu Amieva: voz, gaita asturiana, flauta
transversal e ocarina
Discografia
1986 Onde Lágua Ñaz (Sociedad
Fonográfica Asturiana)
1988 Ubiña - Ubiña (Fonoastur)
1989 Xostrando (Fonoastur)
1991 Les Cornemuses dEurope en
Cournouaille - Colectivo (Keltia Musique)
1992 Lluna Caldiá (Gau Records)
1993 La Gaita Asturiana - Colectivo (Principado de Asturias)
1996 Santiago - The Chieftains (BMG)
1997 Naciones Celtas - Colectivo (Fonomusic)
1999 Tiempo de Mitos (Ediciones Resistencia)
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3 de Agosto de 2002, 23h00
Liorna
Se a Galiza é a
nação dos mil rios da qual nos falou Otero Pedrayo, alimentados por cem mil
regatos
Se essa força hidráulica concentrada produz a energia e a magia a que
chamamos cascata quando se precipita em queda livre
Se toda essa força liberta em
borbotões se transforma em espuma e em finíssimas borbulhas de ritmos e de
harmonias
Se é esta a terra que melhor rega o mar que se alimenta com a morte de
mil rios e a terra que nas suas ondas lançou milhares de esforçados navegadores
Então e só assim é que compreenderemos o sentido dessa cascata feita música, essa
harmonia mágica que vem do mar e que explodiu agora com o nome de LIORNA.
Nas suas canções há
lágrimas que são feridas, saudades, marés de sonho e de silêncio, lugares
comunitários, o mar todo num regato, farrapos salgados, cartas de amor sem garrafa,
perguntas de espuma e de chuva
A gaita temperada de
Alberto Lago, os teclados múltiplos de Suso Iglesias, a voz melíflua de Montse Ogando, o
baixo marcado de Benito Sánchez, os couros redobrados de Luis e Carlos Lago, as cordas
tensas de Seso Durán e o coro envolvente de Begoña David formam a tripulação e os
aprestos deste barco que fundeou no molhe de Marín
Na proa desta nau que
pôs rumos sem medida na rosa dos ventos está pintado a cores vivas o seu nome, LIORNA,
proclamando o orgulho daqueles que são, ao mesmo tempo, marinheiros e músicos, fortes e
sensíveis, navegadores e artistas.
Depois de escutado o
disco de estreia do grupo, as palavras de Antón Mascato adquirem significados que nos
remetem para cada canção e para cada composição como se de viagens se tratasse. Esta
é, de facto, a primeira e grande impressão/sensação que a música do grupo os deixa:
um fluir permanente de água corrente, redefinindo constantemente as margens, renovando
sem cessar os horizontes. A folk galega no seu melhor e marcando, já, a diferença.
Actualizar a tradição e tradicionalizar a modernidade: a viagem que nos propõem é,
realmente, sedutora.
No ano de 2000, quando
nos chegou às mãos um trabalho a todos os títulos recomendável, intitulado Crónica do
Folk Galego, da autoria de Xoán Manuel Estévez e Óscar Losada, tivemos a oportunidade
de tomar conhecimento daquilo a que os autores chamavam uma segunda vaga do movimento folk
na Galiza. E a referência ao grupo Liorna incluia uma reflexão do próprio grupo assaz
esclarecedora e elucidativa, de algum modo de premonitória certeza: "Sabemos onde
estamos e enfrentamos o assunto com a tranquilidade própria de quem pensa que as coisas
chegarão devagar. Não temos pressa em pegar forte e pensamos que há-de
chegar o momento em que, se nos esforçarmos com gosto, o nosso trabalho poderá ser
salientado."
E já nessa altura
tinham perfeita consciência da importância de resultarem da união de distintas
personalidades musicais. Alguns dos membros do grupo Liorna fizeram mesmo parte de uma das
mais prestigiadas e actuantes associações da terra galega Trompo Ós Pés, de
Marín, Pontevedra tendo integrado os respectivos grupos de baile e de danças
tradicionais. O que, por um lado, seria a todos os títulos decisivo para adquirirem um
conhecimento muito mais profundo sobre a música tradicional galega mas, por outro lado,
absolutamente determinante para alicerçarem uma consciência sólida de que a
interpretação pura e simplesmente confinada aos cânones tradicionais não os satisfazia
em termos de resposta às suas próprias necessidades de expressão artística. Tanto mais
que se tratava de colocar em confronto/diálogo as mais diversas e distintas
sensibilidades, formações e apetências: "No nosso caso concreto, encontramos
experiências prévias que vão desde a música tradicional até ao jazz, passando pela
música pop e pela música clássica. E ao alimentar-se com a experiência de músicos
provenientes de estilos diferentes, o grupo adquire uma identidade própria, o que
corresponde a um facto que se está a repetir na Galiza com frequência, até porque, na
nossa opinião, a música tradicional se encontra numa situação privilegiada
relativamente a outros géneros musicais".
Até porque, diremos
nós, tendo em conta a não raro profunda alteração das funções e contextos
expressivos da música tradicional, é cultural e artisticamente conveniente assumir uma
atitude realista perante a tradição. Cono refere/interroga Alberto Lago: "O que é
a tradição? Pode ser uma senhora que, numa aldeia, canta uma canção que aprendeu
quando era pequena. Mas no momento em que um grupo de pandeireteiras a escuta e adapta
para ser interpretada num concerto já deixa de ser música tradicional. E o mesmo se pode
dizer daquilo que nós fazêmos: isto é música tradicional?"
A música folk
corresponde, de facto, a uma atitude de inspiração referencial que se radica na música
tradicional para a manutenção de alicerces/sinais de identidade mas cujo processo
criativo se insere no (des)equilíbrio expressivo resultante das interacções no seio do
binómio tradição-modernidade. Assim se vão descobrindo e reformulando os tão
tentadores como perigosos (e, não raro, enganadores, sobretudo quando as chamadas raízes
não são correcta e adequadamente apreendidas) caminhos da inovação revivificadora.
Um dos aspectos
porventura mais marcantes do projecto veiculado pelo grupo Liorna assenta no facto de não
atribuirem, consciente e deliberadamente, à emblemática gaita galega um papel central,
numa inequívoca e legítima opção de diferenciação assim explicada por Lago: "A
gaita é um elemento essencial na identificação da nossa cultura e um complemento mais
para o resultado das composições. Ao contrário do que sucede com muitos grupos, nós
não pretendemos que a gaita seja o centro em torno do qual gira todo o resto, mas que
seja usada unicamente quando nos parece bem a introdução do seu timbre".
Trata-se,por
conseguinte, de uma atitude de diferenciação que tem os inevitáveis reflexos sobre o
trabalho de composição evidenciado pelo grupo, labor este de sobremaneira atribuido a
Seso Durán e Alberto Lago: "Nós gostamos de considerar Liorna como sendo um
colectivo criativo, no seio do qual oito pontos de vista distintos acabam por levar as
nossas canções ao melhor dos portos de destino. No nosso projecto, a música tradicional
é a essência sobre a qual tudo se move, mas procuramos para cada uma das nossas
composições o seu traço mais pessoal, seja numa vertente mais tradicional seja numa
outra, por exemplo, mais pop. Basicamente, procuramos tornar contemporânea a tradição e
tentamos tradicionalizar os temas actuais."
Assim, em termos
instrumentais cada tema obedece às suas próprias exigências, tendo sempre bem presente
que no campo da recuperação de temas populares já havia grupos muito bons e
acreditámos que se fossemos por esse caminho nada lhe iríamos acrescentar.
Criados em 1966, Liorna
foram inicialmente um grupo puramente instrumental, logo mais se tendo incorporado as
vozes femininas de Montse Ogando e Begoña David. A forte aposta inicial nas suas
próprias composições valeu-lhes uma presença no lote de finalistas da edição de 1997
do Certame de Música Folk da Galiza, organizado pela Junta da Galiza. E, um ano depois,
estrearam-se discograficamente num álbum repartido com dois grupos corunheses, Xiradela e
Atalora (numa edição de Disco Trompo, novel editora criada e dirigida por Mercedes Péon
e Nando Cruz). Se as suas cinco composições foram saudadas como sendo reveladoras de um
grupo extremamente promissor, uma delas, intitulada Nordesía, seria mesmo incluida no
terceiro disco antológico da série Naciones Celtas (editado pela Fonomusic em 1997).
E, em 2000, foi
publicada a estreia a solo do grupo, com a edição do álbum homónimo, desde logo
recebido pela crítica da especialidade com as mais elogiosas referências: Do princípio
ao fim, esta sua verdadeira estreia discográfica alcança um digníssimo nível de
qualidade, sem altos e baixos. Coerente e muito elaborada (Salvador Rodriguez, Faro de
Vigo); Um grnade trabalho de elaboração e de composição de temas, assim como de
produção do disco na linha do mais sério vanguardismo musical (Interfolk). A respectiva
apresentação foi efectuada no prestigiado Teatro Garcia Barbón, em Vigo, tendo a
correspondente digressão levado o grupo a actuar nalguns dos mais importantes festivais
galegos (Festival do Mundo Celta, em Ortigueira; Noites Folk de Pontevedra; e Noites
Celtas, na Corunha, entre outros) e noutras terras do estado espanhol (Léon, Zamora,
Cádiz, Huelva, Valencia, Avila
).
Músicos
Alberto Lago: gaita, teclados e whistle | Begoña
David: voz, pandeireta e percussão | Benito Sánchez:
guitarra baixo | Carlos Lago: bateria e tamboril | Luis Lago: percussão | Montse Ogando:
percussão | Seso Durán: guitarras | Suso
Iglesias: acordeão e teclados
Discografia
1997 Xiradela, Atalora y Liorna
(Disco Trompo)
1999 Naciones Celtas III (Fonomusic)
2000 Liorna (Edicións do Cumio)
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4 de Agosto de 2002, 22h00
Portal Vótis
O grupo Portal
Vótis pratica um Folk Ibérico cuja essência tradicional se transforma num som de
feição urbana, pois embora as suas proveniências sejam diversas os músicos que
integram o grupo residem e trabalham todos na área metropolitana do Porto. A designação
Folk Ibérico deve-se ao facto de as principais referências musicais que presidiram à
criação do repertório (composto por Abílio Topa) radicarem na música tradicional de
todo o Norte da Península Ibérica (Galiza, Minho, Douro Litoral, Trás-os-Montes,
Castela e Planalto Mirandês). Foram incorporados na composição elementos melódicos e
rítmicos identificativos destas regiões, bem notórios nalguns dos temas.Quanto à
componente harmónica, mais complexa, pretende-se criar ambientes e texturas musicais de
semblante mais avançado, impossíveis de conseguir com esquemas harmónicos tradicionais,
pela sua natureza demasiado elementares para os fins pretendidos.
A sonoridade do grupo
caracteriza-se pelo uso de instrumentos tradicionais (tais como a gaita de foles galega e
mirandesa, o bandolim, a concertina e percussões), fundidos com instrumentos
característicos da orquestra clássica (tais como o violino, a flauta transversal e a
guitarra clássica), complementados com instrumentos próprios da música moderna urbana
electrificada (guitarra eléctrica, baixo eléctrico e bateria).
Aprender e assimilar os
fundamentos da música tradicional da sua terra natal (a Terra de Miranda) foi, de facto,
a primeira e decisiva etapa da formação musical de Abílio Topa, o mentor dos Portal
Vótis, um músico que tem tanto de irrequieto como de insatisfeito na busca da expressão
mais adequada para transmitir as músicas que lhe povoam a criatividade. Quando decidiu,
em 2001, avançar para a criação deste grupo estava cumprida uma fase importante da sua
vida musical: criados por si em 1996, os Galandum Galundaina (grupo consagrado à
recriação ortodoxa da música tradicional mirandesa, inserido num projecto de inversão
da tendência negativa a que se estava a votar a gaita de foles mirandesa, num processo
quase irreversível de abandono e de desinteresse por parte das novas gerações) já não
correspondiam às suas inquietações e vontades culturais, em grande parte devido a uma
grande insatisfação em termos de abertura de novos horizontes expressivos para sua
sensibilidade. E, tendo por base o referencial identificador da música tradicional,
Abílio Topa avançou para a composição, seguindo/segundo os cânones mais modernistas
da folk. E, quando criou os Portal Vótis, o respectivo repertório foi desde logo
exclusivamente constituido pelas suas próprias composições, o que se revela como uma
poderosa mais-valia criativa do grupo: arranjos inovadores e combinações instrumentais
não raro ousadas são já, sem qualquer dúvida, elementos susceptíveis de virem a
marcar a dominante expressiva global dos Portal Vótis.
Natural de Fonte de
Aldeia (Miranda do Douro), Abílio Topa concluiu em 1989 o oitavo grau de flauta
transversal no Conservatório de Música do Porto (com o professor Olavo Barros), tendo-se
licenciado em 1999 na Escola Superior de Educação do Porto (ensino da música do 2º
ciclo do ensino básico, a sua profissão actual). Fez parte da Orquestra Juvenil da
Academia de Música de Vilar do Paraíso (onde chegou a leccionar flauta de bisel), da
Filarmónica de Ramalde (Porto) e da Filarmónica de Vale de Cambra. De realçar a sua
passagem, como flautista, pelo grupo de música de câmara Per Sonare, orientado pelo
professor Francisco Monteiro, da Escola Superior de Educação do Porto. Por último,
destaque para os seus estudos sobre a gaita de foles na Terra de Miranda, bem como para o
trabalho de investigação e de recolha levado a cabo em estreita colaboração com a
editora Sons da Terra.
Emanuel Sousa, por sua
vez, frequentou o Conservatório de Música do Porto (tendo concluido o 7º grau de
violino) e em 1999 licenciou-se na Escola Superior de Educação (para o ensino da
disciplina de Educação Musical). Actualmente lecciona no 2º ciclo do ensino básico e
em escolas particulares da área do Porto (nomeadamente no Instituto Orff). No âmbito da
música folk, Emanuel Sousa fez parte dos grupos Vai de Roda e Toque de Caixa, com os
quais gravou vários discos.
Responsável pelas
guitarras nos Portal Vótis, Jorge Trigo iniciou os seus estudos de guitarra clássica em
1980 com José Aguiar, músico que integrou os Roxigénio, tendo depois estudado na Escola
de Música do Porto (com José Rato e sob orientação do professor José Pina).
Frequentou o Conservatório de Música do Porto (tendo concluido em 1987 o 4º grau) e a
Escola de Jazz do Porto (onde estudou guitarra com Joaquim Iglesias e treino auditivo com
Pedro Abrunhosa). Lecciona guitarra clássica e eléctrica em várias academias do grande
Porto e como músico profissional já fez parte de grupos de rock e de jazz.
Paulo Andrade, em cujas
mãos se encontra o baixo eléctrico que se ouve nos Portal Vótis, estudou na Academia de
Música de Vilar do Paraíso, tendo concluido o curso complementar de guitarra clássica
em 2000. Toca frequentemente com a orquestra de guitarras desta instituição, onde
também lecciona guitarra. Frequenta o Curso Superior de Guitarra Clássica na Escola
Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto. Participou na gravação do álbum
Time Is Waiting, do grupo Clockwire, sendo actualmente também colaborador do
grupo Melodrama.
Natural do Brasil,
Paulinho Kaiymã estudou no Conservatório Sousa Lima (São Paulo), onde concluiu o curso
de percussão, tendo depois frequentado a Faculdade Mozarteum (onde obteve o grau de
bacharel em percussão). Ainda no Brasil, chegou a actuar com o percussionista Naná
Vasconcelos, tendo colaborado com várias companhias de teatro para as quais compôs.
Actualmente lecciona percussão no Ballet Teatro do Porto, na Escola de Samba de Lordelo
(Paredes) e em várias escolas de música da região do Grando Porto, sendo ainda de
realçar as suas colaborações com várias formações da área folk e rock.
Rui Dani, o baterista
do grupo, estudou teclados na Academia de Música de S. João da Madeira e como baterista
profissional tem uma vasta experiência profissional de actuação ao vivo, destacando-se,
entre outras, as suas colaborações com músicos da área do rock, como é o caso de
Paulo Barros, do grupo Tarântula. Para além de tocar também se dedica ao ensino da
bateria, dando aulas particulares deste instrumento e a sua actividade musical é ainda
complementada com as funções de instrumentista e técnico de som de estúdio.
Portal Vótis é um
projecto nascido para arrumar inquietações que têm vindo a amarrar, em Portugal, a
música folk a esquemas mais ou menos pré-concebidos e tendo como denominador comum, aos
mais diversos e distintos níveis, um certo referencial derivado/instalado na área da
música inspirada e/ou influenciada pelo legado tradicional (se bem que, importa e
impôe-se reconhecê-lo, grupos como Vai de Roda ou Gaiteiros de Lisboa, entre outros,
tenham assumido ou assumam, ainda, uma atitude de deliberada descomplicação heterodoxa,
de salutar recusa de datismos non nova sede nova. Ou seja, a nossa música tradicional é
apenas mais uma referência (não raro sendo mesmo a base de identificação) num contexto
de complexas interacções e de intrincado confronto de sensibilidades, num tempo de
horizontes multidiferenciados. Tanto mais que a folk, hoje, se assume, na sua frente mais
criativa, como sendo uma expressão que se quer descoberta de novos e/ou renovados
horizontes expressivos. Que, nos Portal Vótis, se assumem, no mínimo, num contexto
peninsular, o que é deveras salutar e prometedor.
Músicos
Abílio Topa: flauta transversal, gaita de foles | Emanuel Sousa: concertina,
bandolim, violino | Jorge Trigo: guitarras | Paulo
Andrade: baixo eléctrico | Paulinho Kayimã:
percussões | Rui Dani: bateria
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4 de Agosto de 2002, 23h00
Wolfstone
Wolfstone é o
nome de uma pedra píctica que foi encontrada numa parede de pedra a cerca de vinte milhas
a norte de Inverness e situada ao longo da estrada que nós fazíamos quando íamos
ensaiar. Quando estávamos à procura de um nome, deparámos com muitas sugestões, mais
ou menos terríveis, até que acabámos por nos decidirmos por Wolfstone, que era um
título forte e
píctico! Um dia, algures em finais de 1995, confrontado por Jim
Spenner, da revista escocesa The Living Tradition, com o facto de o grupo estar então a
ser descrito, pela generalidade da imprensa, como sendo uma banda de rock, Duncan Chisholm
não hesitou: "Nós somos, de facto, um grupo de rock, mas também baseamos a nossa
música em coisas tradicionais, escrevemos canções que são tradicionais no sentimento,
tocamos instrumentos que produzem um som tradicional, mas unimos tudo isso à mais
poderosa secção rítmica da Escócia. Uma das nossas mais recentes canções é uma
versão de The Bonnie Ship the Diamond com a resposta adicional de como se sente a pobre
baleia velha. Trata-se de uma canção escocesa tradicional mas que nós tocamos segundo a
perspectiva de uma moderna banda escocesa de rock".
Para quem porventura
tenha acompanhado os Wolfstone desde os tempos das suas primeiras edições discográficas
(com selo Lismor), desde logo terá uma ideia bastante precisa do modo como o som do grupo
foi evoluindo e se tornou, no contexto expressivo do chamado rock céltico algo distintivo
e referencial. Quando na Primavera de 1994 efectuaram a sua primeira digressão pelos
Estados Unidos, o sucesso alcançado foi enorme e Ivan Drever (guitarra acústica e voz),
instado a pronunciar-se sobre a louca adesão do público, não tinha dúvidas:
"Penso que a razão se devia sobretudo ao invulgar casamento entre dois estilos
diferentes de música. Trat-se de folk-rock no sentido mais autêntico e verdadeiro do
termo, porque metade do grupo cresceu a ouvir canções e temas tradicionais da escócia e
a outra metade são, aima de tudo, músicos vindos do rock and roll. Portanto, tratou-se,
de facto, de unir estes dois estilos, o que à primeira vista parece difícil de
conseguir. Mas ficámos muito contentes quando verificámos que resultava: temos jigs e
reels na habitual velocidade rápida mas, ao mesmo tempo, com força e energia, porque
são tocados com guitarras eléctricas e percussão da pesada. E no cimo de tudo isto
colocamos as gaitas das Highlands, amplificadas".
A criação dos
Wolfstone remonta a finais dos anos 80 do século XX, quando o violinista Duncam Chisholm
decidiu formar com os irmãos Stuart Eaglesham (guitarra) e Struan Eaglesham (teclados) um
grupo de baile para o acompanhartem num seu álbum a solo e aproveitarem para animar os
ceilidhs locais. As reacções do público foram de tal forma entusiásticas que o trio
decidiu incorporar mais elementos, com mudanças quase constantes da respectiva line-up,
passando o núcleo original (trio) a dedicar-se por completo à música a partir de 1990.
Para trás ficariam dois álbuns, Wolfstone 1 (1988) e Wolfstone 2 (1989), que Duncan
Chisholm não hesitou em retirar da discografia oficial do grupo: "Nós repudiamos
estes dois álbuns na medida em que o grupo ao qual pertencemos de modo algum reflecte o
que éramos antes: trata-se de uma formação diferente, com ideias e objectivos
diferentes. Quem quer que porventura ainda consiga adquirir esses dois discos não está,
de modo algum, a comprar duas obras dos Wolfstone. Nunca os promoveremos e se dependesse
de nós com certeza que nunca os venderíamos a ninguém".
A formação mais
estável não foi desde logo alacançada: ao trio fundador Dunca Chisholm, Struan
Eaglesham e Stuart Eaglesham juntou-se o guitarrista Andy Murray, sucedendo-se
diferentes baixistas, bateristas e gaiteiros. Ivan Drever entraria em inícios de 1991 e
em meados do ano seguinte seria a vez do baterista Graeme Mop Youngson e do
baterista Wayne MacKenzie. Se Graeme tinha sido recomendado pelo manager dos Runrig, Wayne
só por acaso é que acabou por se integrar no grupo, tanto mais que antes de me juntar
aos Wolfstone eu nunca tinha sequer sonhado sequer em ouvir música tradicional quando
mais tocá-la! Duncan Chisholm, entretanto confirmado como sendo o líder da banda, pôde,
enfim, respirar de alívio e sacudir então as suas inquietações: "Finalmente
conseguimos encontrar uma formação mais constante. Com tanta gente a entrar e a sair
corríamos o perigo de ficarmos como os Fairport Convention. Por fim, tínhamos conseguido
reunir um grupo de músicos que tinham uma visão comum sobre qual era o caminho a
percorrer".
Um caminho que Chisholm
fez questão em referenciar como tendo sido aberto e pavimentado na Escócia, com um
contributo decisivo fornecido pela influência decisiva dos Runrig: "Runrig é uma
grande banda e eles foram muito bons para nós. Tocam rock gaélico, popular e moderno, e
nós estamos-lhes muito agradecidos por isso. Eles abriram o caminho. Caso contrário,
teria sido para nós uma luta muito mais árdua e difícil".
Em 1991 seria publicado
aquele que o grupo considera ser, de facto, o seu primeiro álbum, Unleashed, procurando
transmitir a ideia de que o grupo resultava, realmente, do casamento de seis corações
provenientes das terras altas e de outras tantas mentes mergulhadas na tradição mas
alinhadas com a música do presente: temas e sentimentos do passado misturados com os
pensamentos e os sons do presente. A formação responsável por este trabalho foi a
seguinte: Duncan Chisholm, Struan Eaglesham, Stuart Eaglesham, Ivan Drever, Andy Murray e
Allan Wilson.
Um ano depois, o álbum
The Chase apresentava uma formação reduzida a quinteto, graças à saída de Allan
Wilson (guitarra, whistles e flauta), sendo no entanto já anunciadas no respectivo
libreto as entradas de Wayne MacKenzie e de Graeme Mop Youngson (que, porém,
não assinavam qualquer colaboração neste disco). Um dos aspectos mais relevantes neste
trabalho residia no trabalho de composição de Ivan Drever: originário das Ilhas Orkney,
ele introduziu no seio do grupo a influência da herança musical própria da região,
sobretudo marcada pelo cruzamento escandinavo-escocês. Sensibilizado pelos mais diversos
estilos e géneros musicais - com especial relevância para o swing, jazz, blues e música
tradicional Ivan Drever não tinha dúvidas em integrar tudo isso na resultante do
verdadeiro carrefour cultural que se verifica na terra escocesa: Vir da Escócia
possibilita a utilização de uma grande variedade de materiais. Temos uma história muito
rica, somos ponto de passagem e com múltiplas influências. De acordo com Duncan
Chisholm, Ivan Drever foi mais do que uma fonte de inspiração para o grupo: Ele foi de
facto uma grande inspiração para todos nós no que se refere à composição. No início
ele era o responsável por cerca de noventa por cento das novas composições e o resto
era tradicional. Tivemos a sorte de acabarmos por ser um grupo no qual todos compõem. O
que nos permite acumular muito material susceptível de ser um dia editado.
Os álbuns que se seguiram Burning Horizons (1993) e Year of the Dog (1994)
foram trabalhos que ficaram a testemunhar a decisiva consolidação do som do grupo, com
uma formação estabilizada e no seio da qual apenas iam variando os gaiteiros:
"Evoluimos no sentido de não nos tornarmos particularmente comerciais com o único
objectivo de vender discos e o nosso compromisso é apenas com a nossa música. Isto é
uma constante, o mesmo se podendo dizer acerca de qual é o nome do gaiteiro que vai estar
connosco no decurso da próxima semana. Não é vulgar isto acontecer relativamente a um
músico tão determinante para o som global do grupo. Mas o que é facto é que o grupo,
por motivos vários, nunca conseguiu fixar um gaiteiro, tendo sempre gravado e actuado com
diversos".
De facto, se Allan
Wilson esteve em Unleashead, nos concertos mais importantes que se seguiram tocaram com os
Wolfstone gaiteiros como Roddy McCourt, Dougie Pincock (Battlefield Band), Ian McDonald
(Battlefield Band), Kenny Forsyth (Tannahill Weavers), Gordon Duncan (Dougie McLean
Band)
E, em 1996, quando foi publicado o álbum The Half Tail, o gaiteiro era Stevie
Saint (da prestigiada Vale of Athol Pipe Band).
A segunda metade dos
anos 90 ficaria marcada pela edição de álbuns absolutamente referenciais This
Strange Place (1998) e Seven (1999) bem como por uma suspensão temporária das
actividades do grupo (por desinteligências internas sobretudo centradas em torno de
Duncan Chisholm e Ivan Drever, entretanto saido do grupo). Mas, em 2000, seria publicado o
álbum Not Enough Shouting, gravado ao vivo nos meses de Janeiro e de Fevereiro, na
Escócia, o qual abriria o caminho para o regresso activo da banda, que recentemente fez
publicar novo álbum de originais, Almost an Island, testemunho inequívoco do regresso
daquela que permanece e será sempre uma das grandes bandas do chamado folk-rock (ou
rock-folk?) céltico.
Músicos
Duncan Chisholm: violino | Stephen Saint: gaita e flauta | Stuart Eaglesham: voz, guitarras e flauta | Alan Cosker: bateria e percussão | Wayne MacKenzie: guitarra baixo
Discografia
1988 Wolfstone 1 (Rowan Records)
1989 Wolfstone 2 (Rowan Records)
1991 Unleashed (Lismor
Recordings)
1992 The Chase (Lismor
Recordings)
1993 Burning Horizons (Lismor
Recordings)
1994 Year of the Dog (Green
Linnet Records)
1996 The Half Tail (Green Linnet
Records)
1997 Pick of the Litter
Compilation (Green Linnet Records)
1998 This Strange Place (Green
Linnet Records)
1999 Seven (Green Linnet
Records)
2001 Not Enough Shouting
Live (Resistencia)
2002 Almost an Island (Once
Bitten Records)
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