Lisboa
Rão Kyao
Fado Virado a Nascente
CCB, Grande Auditória, dia 15 de Novembro 2001
Espectáculo Integrado no Festival Outono
em Lisboa
"Em busca de antepassados
da canção da nossa gente", como diz a letra do tema "Fado Nascente", Rão
Kyao levou mais longe, outra vez, a sua missão de reunir Ocidente e Oriente, procurando
um novo espaço para a música portuguesa. Para ver no CCB, no dia 15 de Novembro de 2001.
Ao longo de uma carreira que já dobrou a vintena de anos, o
lisboeta Rão Kyao tem-se distinguido pela sua persistente vontade em redescobrir o
Oriente. Fazendo uso da flauta de bambu e do saxofone, ele foi encontrando inspiração na
música indiana, árabe, africana e chinesa, restabelecendo assim o elo perdido entre a
tradição musical portuguesa e o Oriente.
Os 17 álbuns que editou até hoje indiciam, de uma forma muito
clara, a intenção expressa de, a cada passo, redescobrir as raízes da música
tradicional portuguesa, não temendo, antes pelo contrário, o confronto com as suas
fontes primordiais: a música indiana e a música árabe.
São esses os fundamentos dos primeiros passos da sua carreira, quando edita os álbuns
"Malpertuis" (1976), "Bambu" (1977), "Goa" (1979),
"Ritual" (1982) e "Macau O Amanhecer" (1984). Álbuns que impõem Rão
Kyao como a mais importante figura do meio jazzístico português, ao mesmo tempo que o
músico não deixa de assumir o seu fascínio pela música oriental, capaz de o levar a
fixar-se em Bombaim durante alguns meses.
Rão Kyao só veio a conhecer o êxito comercial, porém, durante a
década de 80, quando os seus discos conquistavam, invariavelmente, galardões de ouro e
platina. Primeiro com "Fado Bailado" (1983), onde juntamente com o mestre da
guitarra portuguesa, António Chaínho, revia alguns dos mais consagrados temas da
canção urbana de Lisboa à luz do saxofone, propondo pela primeira vez uma nova
dimensão para o fado. Depois com "Estrada da Luz" (1984) e "Oásis"
(1986), álbuns onde voltou à flauta de bambu para mostrar as afinidades entre a música
tradicional portuguesa e a música indiana.
O repetir do percurso dos navegadores dos Descobrimentos, levou-o
até ao Brasil, onde gravou o álbum "Danças de Rua" (1987), fortemente
inspirado na riqueza rítmica da música nordestina. O folclore português seria
explicitamente abordado em "Viagens na Minha Terra" (1989), regressando ao fado
em "Viva o Fado" (1996). Ainda antes, Rão Kyao tinha cruzando a música
portuguesa com o flamenco dos espanhóis Ketama, em "Delírios Ibéricos"
(1992). Nos anos noventa, editou também os álbuns "Águas Livres" (1994) e
"Navegantes" (1998), marcados pela world music e a new age, num rasgo
absolutamente pioneiro em Portugal.
A ligação da música portuguesa ao Oriente e, mais
especificamente, a Macau, tinha já sido abordada por Rão Kyao no álbum "Macau ao
Amanhecer" (1984), de acordo com o mote proposto de relatar a presença portuguesa
naquele território em termos musicais. Macau voltou a ser o pretexto para um novo álbum
de Rão Kyao, "Junção" (1999), desta vez acompanhado pela Orquestra Chinesa de
Macau. É em "Junção" que se encontra o tema da autoria de Rão Kyao,
interpretado durante a cerimónia que celebrou a passagem do território de Macau para a
República Popular da China.
"Fado Virado a Nascente" (2001) é, como o título deixa
antever, uma nova abordagem do fado por parte de Rão Kyao, agora acompanhado pela fadista
Deolinda Bernardo e pela cantora dos Madredeus, Teresa Salgueiro, no tema "Deus
Também Gosta de Fado". A ligação à música árabe é assumida de forma mais que
explícita, socorrendo-se Rão Kyao de alguns músicos marroquinos, como o violinista Gazi
e o percussionista Barmaki, que sublinham as raízes orientais da guitarra portuguesa (a
cargo de Fernando Silva e Carlos Gonçalves) e os arranjos do teclista Renato Júnior e do
viola Carlos Macieira.
Estas são canções em que, ao trinar da guitarra portuguesa se
junta uma riqueza rítmica "virada a nascente", suporte para uma melopeia ora
sublinhada pela flauta de Rão Kyao ora pela voz das cantoras. Indisfarçável, a
presença de Pedro Ayres Magalhães, também dos Madredeus, no desenho do conceito do
álbum, na escolha dos músicos e ainda numa das letras que escreveu. O mesmo acontece com
a produção de Mário Barreiros, responsável pela gravação de alguns dos mais bem
sucedidos discos de música portuguesa.
"Em busca de antepassados da canção da nossa gente",
como diz a letra do tema "Fado Nascente", Rão Kyao levou mais longe, outra vez,
a sua missão de reunir Ocidente e Oriente, procurando um novo espaço para a música
portuguesa. 