Fado
Alfredo Marceneiro
Glória Portuguesa do Fado
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Site sobre Alfredo Marceneiro criado por Susana Duarte (Bisneta)Apresentamos aqui um excerto sobre a vida e obra de Alfredo
Marceneiro, publicada no site criado pela sua bisneta, Susana Duarte, dedicado a esta
lenda do Fado e que apresenta um vasto e completo espólio documental sobre esta grande
personalidade da cultura popular portuguesa.
Origens
Filho de Gertrudes da Conceição e Rodrigo Duarte, ambos naturais do Cadaval, gente de
origem humilde. Seu pai mestre de corte de calçado, arranja uma colocação numa
sapataria na Rua da Madalena que lhe permite alugar uma pequena casa num prédio na
Travessa de Santa Quitéria, Freguesia de Santa Isabel.
Foi nessa casa que nasceu, no dia 25 de Fevereiro de 1891, o primeiro filho do
casal a quem foi dado o nome ALFREDO RODRIGO DUARTE. A este filho vieram depois juntar-se
mais 3: Júlio - que foi também fadista de nomeada -, Álvaro e Júlia. Alfredo Duarte
frequentou a escola primária demonstrando especial aptidão para a Literatura e
Gramática.
O seu gosto pelo canto veio-lhe do berço, influenciado por sua mãe. No
entanto, também seu pai - que tinha pertencido à banda musical do Cadaval -, e seu avô
materno, lhe transmitiram influências, especialmente este último, que tocava guitarra e
cantava fados de improviso.
Rodrigo Duarte apercebendo-se da intuição para a musica de seu filho queria
que ele aprendesse os rudimentos musicais. Não viveu no entanto o suficiente para ver
satisfeitos os seus desejos. Decorria o ano de 1905 e Alfredo, então com 13 anos,
profundamente abalado pela perda do pai, viu-se forçado a abandonar os estudos para
começar a ganhar a vida, ajudando a sua mãe no sustento da casa e dos irmãos mais
novos.
Arranjou o seu primeiro emprego como aprendiz de encadernador. Cultivando o
gosto de representar. seguia atentamente as cegadas e é assim que simultaneamente toma
mais contacto com o Fado.
Júlio Janota, um fadista improvisador com que tomou conhecimento, era mestre na
profissão de marceneiro, aconselha-o a seguir o mesmo oficio, que lhe permitia auferir
melhor salário e sair antes do por do sol, arranjando-lhe uma colocação, como seu
aprendiz, numa oficina em Campo d'Ourique.
Primeiros passos no Fado
É num baile popular que se inica a cantar o fado, começando logo a criar nome entre a
rapaziada. Graças às suas capacidades passa a ser solicitado para cantar em festas de
caridade, muito usuais na época como forma de solidariedade para com os mais
desafortunados. Em 1908, com dezassete anos, consegue almejar o seu grande sonho: sair
numa cegada.
Noutras cegadas entrou, mas foi em "Luz e Sapiência", de Henrique
Rêgo, que Alfredo grangeou a maior glória. Até ao fim dos seus dias, Alfredo Duarte
ainda era capaz de recitar não só o seu papel nesta cegada, como também o papel dos
outros intervenientes.
A primeira vez que vai ouvir cantar o fado em recinto para o efeito, foi na Rua
do Poço dos Negros, no Beco dos Carrascos, onde actuavam conhecidos fadistas de então.
Mas é no «14» do Largo do Rato, antiga casa de jogo transformada em «cabaret» quando
os jogos de azar foram proibidos, que o jovem Alfredo, com cerca de 20 anos, começou a
ser mais conhecido no meio fadista, sendo frequentemente convidado a cantar alguns fados,
cujos versos ele mesmo improvisava.
Aqui travou conhecimento com alguns dos poetas populares e grandes fadistas de
nomeada daquela época, como Britinho Estucador, Soares do Intendente, Júlio Proença
Estofador, João Mulato, Chico Viana, Jorge Caldeireiro, Fernando Teles, e tantos outros,
que não tardaram em ver no jovem Alfredo um verdadeiro fadista. Como manifestação desse
reconhecimento, começaram a dar-lhe algumas das suas criações poéticas para que ele as
cantasse.
Percurso e Historial Artístico
Em 1924, Alfredo Marceneiro participa na primeira «Festa do Fado», organizada pelo poeta
António Boto nos palcos do S. Luiz. Ainda em 1924, o recinto Sul-América, que se situava
à Rua da Palma, num Concurso de Fados em que se apresentaram todos os grandes fadistas
desse tempo, Alfredo Marceneiro arrebata o troféu de que mais se orgulhou em toda a sua
vida, a "Medalha de Ouro".
Este concurso teve por júri conceituados poetas e jornalistas, sendo o primeiro
prémio atribuído por unânimidade, premiando a forma correcta como dividiu os versos,
quer nas orações quer na pontuação, do fado que escolheu para cantar. Esse Fado era
"O REMORSO".
Em 1929 ganha a Taça de Prata, na Festa de Homenagem ao Poeta Frederico de
Brito (Britinho). Nos anos 30 Alfredo Marceneiro trabalhava nas oficinas do Diamantino
Tojal, situadas na Vila Berta, à Graça. Como as Construções Navais (Arsenal do
Alfeite) tinham vagas para marceneiros e a féria era superior, foi contratado, tendo
feito mobiliário para alguns navios e barcos de guerra. Mais tarde as Construções
Navais passaram para a administração da C.U.F. pela mão do industrial Alfredo Silva.
Alfredo Marceneiro continuou a sua actividade no ofício e no Fado, sendo
bastante solicitado pelos seus camaradas operários para actuar nas festas que organizavam
numa delas, em Dezembro de 1937, os electricistas do Arsenal de Marinha pedem ao poeta
João Linhares de Barbosa, que sabiam ter por ele grande admiração, para escrever algo
em homenagem a Marceneiro.
Profissionalização no Fado
Por alturas de 1941 o movimento operário inicia as reivindicações pelas 8 horas de
trabalho diário (eram 12 horas diárias na altura). Em 1943 numa greve geral, à qual
Alfredo que também adere, os grevistas são todos presos, entre eles os seus filhos
Carlos e Alfredo que também eram trabalhadores nos estaleiros. Desgostoso com este facto,
pura e simplesmente pediu demissão. É pois, a partir desta data, que Alfredo Marceneiro
passa a viver exclusivamente de cantar o fado.
Em 1946 vivia-se no rescaldo da 2ª Guerra Mundial. Nessa altura, paradoxalmente,
estava-se no principio do aparecimento das casas de fado e face à crise económica
resultante dessa terrível guerra, a opção pelo profissionalismo no fado tornou-lhe a
vida muito difícil no início, mesmo apesar da fama que o seu nome transportava.
Na Calçado de Carriche actuou no Nova Sintra, corria o ano de 1947, havendo então a
tradição de se ir ao Fado fora de portas. Mais tarde, com o seu filho Rodrigo Duarte,
inaugura o "Solar do Marceneiro" que, no entanto, apesar do êxito que teve ,
não durou muito tempo, pois Alfredo era incapaz de estar a cantar por obrigação.
Aliás, como aconteceu em outras casas onde esteve contratado. No entanto, a amizade que
todos os empresários por ele nutriam, levava a que a sua irreverência fosse tolerada e,
assim, nunca se desvinculou de um acordo com litígio. Pode dizer-se que Marceneiro era
«privativo» de todas as casas de fado.
O Bairro Alto, com a abertura de diversas casas de fado, também apelidadas de casas
típicas, como a Adega da Lucília ( mais tarde O Faia) de Lucília do Carmo e Alfredo de
Almeida, posteriormente do filho Carlos do Carmo, a Adega Machado de Armando Machado e
Maria de Lourdes Machado, a Adega Mesquita de Domingos Mesquita e mulher "Ti
Adelina", a A Severa de José Barros e Maria José, a Tipóia de Adelina Ramos e o
Solar da Hermínia Silva, passa a ser o bairro mais frequentado no intuíto de se ouvir
cantar o fado.
Em todas elas Alfredo Marceneiro proporcionou noites inesquecíveis para quem as viveu,
interpretando os seus fados como só ele sabia, crescendo a sua fama sem parar. Entretanto
Lisboa não pára e, noutros locais da cidade, abrem outras casas de fado que fizeram
parte do roteiro de Alfredo Marceneiro, tais como a Viela com a Celeste Rodrigues e mais
tarde com Sérgio, A Márcia Condessa, a Parreirinha de Alfama de Argentina Santos, A
Cesária, O Timpanas da familia Forjaz, etc.
A 3 de Janeiro de 1948, no Café Luso, é consagrado Rei do Fado, numa festa que
foi organizada por Filipe Pinto. Deste evento ficou uma placa de mármore a assinalar a
sua consagração.
Este espectáculo contou com a participação de grandes intérpretes do fado,
Amália Rodrigues, Berta Cardoso, Fernanda Baptista, Hermínia Silva, Lucília do Carmo,
Carlos Ramos, Filipe Pinto e Júlio Proença, além da presença de muitos guitarristas,
cançonetistas, artistas de teatro, artistas plásticos, jornalistas e personalidades de
relevo da época. Alfredo Marceneiro cantou fados de sua criação e este espectáculo
ficou guardado na memória de todos aqueles que nele colaboraram e a ele assistiram.
Texto de Susana Duarte (Bisneta de Alfredo Marceneiro)