Hepta é o novo disco dos sete magníficos da galiza: os
Berroguetto - um grupo que ousou destronar os "lendários" Milladoiro do papel
de embaixadores de uma certa visão conteporânea das tradições musicais da Galiza. Não
só o conseguiram, como vão mais longe. Este é o grupo galego de que mais se fala por
aí.
Por João Maia
Para quem ainda não os conhece, os Berroguetto são hoje considerados,
quase de forma unanime, como o melhor grupo de música tradicional galega (o que só
merece maior destaque se tivermos em consideração que entre os seus 'concorrentes' temos
nomes como os Milladoiro).
Isto acontece muito por culpa do merecido sucesso atingido pelos seus dois
primeiros álbuns 'Navicularia' e 'Viaxe por Urticaria', verdadeiras obras-primas nas
quais se destaca a abordagem original e bastante contemporânea que os músicos dão a
temas tradicionais.
E depois destas duas obras sensacionais, muita era a expectativa em redor do
terceiro álbum deste grupo, apresentado em Dezembro de 2001 no CGAC - Centro Galego de
Arte Contemporanea em Santiago de Compostela (cujo projecto esteve a cargo do arquitecto
português Siza Vieira).
Este álbum, denominado muito a propósito 'Hepta' ('sete' em grego) gira em
redor do número 7 e dos seus vários significados na natureza. Sete são as cores do
arco-iris, sete são as belas artes, sete são as notas musicais, sete os dias da semana.
E sete são também os elementos do grupo: Anxo Pintos (sanfona, gaita, saxofone), Guadi
Galego (voz, gaita), Santiago Cribeiro (acordeão, teclados), Quim Fariña (violino),
Quico Comesana (bandolim, harpa, bouzouki); Guillermo Fernandez (guitarras, baixo), e
Isaac Palacin (percussões e bateria).
E o projecto 'Hepta' cedo deixou de ser apenas um projecto musical para se
estender a outros meios artísticos. Para a concepção artística do disco o grupo
contactou o artista francês Georges Rousse, conhecido pelo facto da arte que cria abarcar
a fotografia, a arquitectura, a pintura e a escultura em simultaneo. Este artista, nascido
em Paris, é mundialmente conhecido pelas suas intervenções em lugares abandonados, em
ruínas, ou em vias de demolição, que modifica durante o tempo necessário para os
fotografar e dessa forma os reinterpretar, perpetuando-os assim através das imagens
resultantes.
No fundo, e segundo o músico Quim Fariña, "existe um paralelismo
supreendente entre os Berroguetto e o trabalho de Georges, uma vez que o nosso jogo
consiste na recuperação de melodias tradicionais também condenadas a desaparecer".
Com efeito, tal como Rousse trabalha os espaços até acabar por imortalizá-los através
da fotografia, os Berroguetto trabalham os temas e os instrumentos tradicionais,
dando-lhes uma nova estrutura que acabam por perpetuar através do registo discográfico.
A intervenção de Georges Rousse no ambito do projecto 'Hepta' ocorreu no
conjunto histórico-artístico de Sargadelos, uma fábrica de cerâmica abandonada, com
200 anos, situada próximo de Lugo, na Galiza. Durante sete dias, em Julho de 2001 (o
sétimo mês do ano), o artista trabalhou com os sete elementos da banda de forma a
recuperar o espaço e a integrar nele os próprios músicos. Para tal os artistas
sujeitaram-se a ver a sua pele pintada com sete cores diferentes.
Aliás, diga-se que esta não é a primeira vez que os músicos participam
activamente na concepção artística dos seus discos, depois de se terem coberto de barro
para as belas fotografias do seu disco anterior, 'Viaxe por Urticaria'.
No que diz respeito à vertente musical, uma vez mais os Berroguetto conseguiram
estar à altura das expectativas. Nos seus treze temas, o disco volta a utilizar a
fórmula dos anteriores, utilizando abordagens típicas de estilos musicais
contemporâneos como o pop e o jazz, para envolver a musica e os intrumentos tradicionais
da Galiza.
Uma vez mais, este é um disco que não se esgota nas primeiras audições, pois
conseguimos sempre, em cada audição, descobrir pequenos detalhes na estrutura de cada um
dos temas, ou na forma como os sons dos vários instrumentos se interligam, quase sempre
na perfeição. E de novo se volta a notar que os Berroguetto funcionam como um verdadeiro
grupo, dividindo entre todos os seus elementos a composição dos temas, sem que qualquer
dos músicos tenha um protagonismo exagerado.
Tal como haviam feito em 'Viaxe por Urticaria', os Berroguetto contam num ou
noutro tema com a colaboração de músicos convidados. Desta feita, os nomes de destaque
são Djivan Gasparyan, mestre arménio do duduk (instrumento pastoril que se assemelha a
uma flauta); Kalman Balogh, tocador húngaro de cimbalão (instrumento tradicional da
música cigana daquele país de leste); e o sueco Markus Svensson, com a sua nickelharpa
(instrumento que está a meio caminho entre uma sanfona e um violino, muito utilizado por
grupos como os Vasen e os Hedingarna).
Uma vez mais, o disco é extremamente uniforme na qualidade dos temas, porém os pontos
mais altos estão em 'Nanatsu', 'Vinte Anos', 'Armenia', 'Alquimista de Soños', 'Albores'
e o fantástico 'Samesugas'. Dispensável era o tema escondido no fim da última faixa do
disco que não é mais que um remix do tema 'Cantos de Monzo'.
Este é mais um disco que vem cimentar a posição alcançada por estes sete
magíficos galegos no panorama da música tradicional europeia. Os conhecedores podem
argumentar que não será tão bom como os anteriores (muito embora a diferença não seja
significativa), porém quem dera a muitos grupos (na música tradicional e não só) que o
seu melhor disco fosse tão bom como este.